Lyana
A lua pálida se erguia sobre o horizonte, projetando sombras longas e sinuosas pelo campo aberto.
O ar estava denso com o aroma de madeira queimada e resina, misturado ao cheiro metálico de sangue fresco. À distância, o tronco avermelhado no centro do acampamento se erguia como um altar ancestral, rodeado por fogueiras que dançavam ao vento, lançando faíscas para o céu noturno. As labaredas iluminavam o cenário macabro, refletindo-se nas lâminas das espadas dos soldados que formavam um círculo em volta do espetáculo.
Eu me mantinha afastada, envolta no manto ritualístico que agora me marcava como consorte para alguns e Grã-Senhora da Corte Outonal para outros. O tecido era leve como uma teia de aranha, quase translúcido, deixando minha pele à mostra onde o corte ousado do vestido o permitia. O ouro e os rubis incrustados reluziam sob a luz das chamas, desenhando padrões intricados que pareciam pulsar com cada batida do meu coração. As faixas de couro apertavam meus quadris, enquanto o tecido provocativo do busto era tão fino que quase não cumpria seu propósito, permitindo que o frio da noite acariciasse minha pele de maneira provocante. Mas o frio... O frio me fazia lembrar que eu estava viva, mesmo que meu coração estivesse envolto em uma muralha de gelo.
Meus dedos se apertavam ao redor da antiga coroa de Beron. A peça, pesada em minha mão, ainda parecia sussurrar com a memória de seu antigo dono. Eu podia sentir o calor do coração de Beron, como se ainda pulsasse em minhas mãos, uma lembrança vívida do poder que tomei para mim. A imagem do sangue escorrendo, quente e grosso, inundou minha mente, e eu quase podia sentir o metal frio da coroa mordendo minha palma novamente.
De longe, meus olhos se fixaram em Eris. Seu corpo estava coberto de sangue – não o dele, mas o da besta que ele acabara de abater. O urso caiu ao chão com um baque surdo, sua imensa forma rendida à lâmina afiada de Eris. O sangue da criatura escorria pelas mãos, pelos ombros e tronco dele, manchando sua pele nua e pálida com um tom mais escuro. Eu observei cada movimento, cada golpe que ele desferia com precisão implacável, e percebi o que talvez sempre soubera: Eris seria um grande Grão-Senhor. Não apenas por sua habilidade em combate, mas pela força de vontade que emanava dele, uma força que eu reconhecia, porque era semelhante à minha.
Mas, mesmo enquanto admirava a brutalidade de Eris, senti uma presença se aproximando pelas sombras. Um arrepio percorreu minha espinha, não de medo, mas de reconhecimento. Não precisei virar para saber quem era. Anthon. O nome queimava na minha mente como uma lâmina afiada:
— Não vai me fazer mudar de ideia desta vez, Anthon — falei suavemente, minha voz quase perdida no crepitar das fogueiras ao redor. Ainda assim, eu sabia que ele me ouvira. Ele sempre ouvia.
De onde estava, vi quando ele se revelou das sombras. A capa de pele que o envolvia era grossa, imponente, o capuz escondendo parcialmente seu rosto. Mas eu sabia o que encontraria ali – aqueles olhos astutos, a pele marcada pelo tempo e pela vida no mar, o sorriso que um dia fizera meu coração acelerar. Agora, esse mesmo sorriso era uma lembrança dolorosa de tudo o que eu havia deixado para trás:
— Não vim tentar te convencer de nada — disse ele, a voz rouca, profunda, cortando o silêncio entre nós — Mas nós dois sabemos que precisamos de um momento... sozinhos.
Eu olhei para ele, deixando que o silêncio se estendesse entre nós, pesado como o destino que nos mantinha entrelaçados. O vento carregava o cheiro de sangue e cinzas até mim, mas tudo o que eu conseguia sentir era a proximidade de Anthon, a tensão palpável entre nós:
— O que você quer, Anthon? — perguntei, minha voz finalmente quebrando o silêncio.
Ele deu um passo à frente, os olhos fixos nos meus, e por um momento, vi o pirata que ele fora, o homem que um dia amei, mas também o homem que eu sabia que nunca poderia ter:
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Corte de Luz e Sombras - Livro 1 - Fanfic ACOTAR
FanfictionApós anos sobrevivendo nos calabouços de Hybern, duas amigas conseguem escapar por um triz, retornando a Prythian. Lutando por seu lugar de direito na Corte Diurna e se estabelecendo dentro do círculo íntimo, Surya e Lyana tentam unir aliados para d...