Primeira Parte

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LADY FEYRE ARCHERON OBSERVOU O visconde Rhysand entrar no salão de baile e se perguntou como as solas de suas botinas não exalavam fumaça, visto que aquele homem percorria com bastante frequência a estrada para o inferno. O restante dele fumegava, sombrio e diabolicamente sedutor, enquanto se encaminhava ao salão de jogos. Rhys sequer reparou quando Clare Beddor deu as costas para ele quando passou.

— Eu realmente odeio esse homem — resmungou Fey.

— Como? — Lorde Tamlin trotou ao seu lado, a dança folclórica fazendo-o saltitar em um círculo ao redor dela.

— Nada, milorde. Estava apenas pensando em voz alta.

— Bem, compartilhe seus pensamentos comigo, lady Feyre. — Tamlin tocou em sua mão, virou-se e desapareceu por um instante atrás da srta. Partrey enquanto serpenteavam pela fila novamente. — Nada me encanta mais do que o som de sua voz.

Com exceção, talvez, das moedas de ouro tilintando em minha bolsa.

Feyre suspirou. Estava ficando estafada demais.

— O senhor é extremamente gentil, milorde.

— Nunca se é gentil demais quando se trata da senhorita.

Deram outra volta, e Feyre fez uma careta para as costas largas de Rhys quando o patife sumiu de vista, provavelmente para fumar um charuto e beber com seus amigos vigaristas. A noite estava tão agradável antes de ele aparecer... Sua tia estava promovendo o sarau, então Fey custava a acreditar que alguém sequer tivesse convidado Rhys.

Seu parceiro de dança voltou a se juntar a ela, e Feyre presenteou o belo barão de cabelo dourado com um sorriso decidido. Precisava afastar o diabólico Rhys de seus pensamentos.

— O senhor está com energia hoje, lorde Tamlin.

— A senhorita me inspira — respondeu ele, parecendo cansado.

A dança chegou ao fim. Enquanto o barão procurava por um lenço em seu colete, Feyre avistou Morrigan Barrett e Cresseida Ruddick paradas próximas uma da outra junto à mesa de bebidas.

— Obrigada, milorde — disse ao parceiro, fazendo uma reverência antes que ele pudesse se oferecer para acompanhá-la em uma volta em torno do salão. — O senhor me exauriu ao extremo. Pode me dar licença?

— Ah. Eu... É claro, milady.

— Tamlin? — exclamou Morrigan de trás de seu leque marfim quando Feyre se juntou a elas. — Como foi que isso aconteceu?

Feyre se rendeu a um sorriso genuíno.

— Ele queria recitar o poema que escreveu em minha homenagem, e a única maneira de interrompê-lo depois da primeira estrofe foi concordando em acompanhá-lo em uma dança.

— Ele lhe escreveu um poema? — Cresseida colocou a mão no braço de Feyre e as guiou até as cadeiras alinhadas do outro lado do salão.

— Escreveu. — Contente por ver Tamlin escolher uma das debutantes como sua próxima vítima, Feyre aceitou uma taça de vinho Madeira de um dos lacaios. Após três horas de quadrilhas, valsas e danças folclóricas, seus pés doíam. — E você sabe o que rima com Feyre, não é?

Cresseida franziu o cenho, seus olhos cinza brilhando.

— Não, o quê?

— Nada. Ele usou a pronuncia do meu nome para acrescentar “eira” no final de todas as palavras, mesmo que ainda assim não chegue a rimar. E em trímetros iâmbicos, no entanto.  ―Ah, Feyra, sua beleza é reluzentieira; com sua linda cabelereira douradieira ; sua..

Morrigan emitiu um ruído sufocado.

— Meu Senhor, pare imediatamente. Fey, você tem uma habilidade incrível de fazer os homens dizerem e fazerem as coisas mais ridículas.

Feyre meneou a cabeça, tirando um cacho douradieiro que se soltara dos grampos de marfim de cima dos olhos.

— Meu dinheiro tem essa habilidade. Não eu.

— Não deveria ser tão cínica assim. Afinal de contas, Tamlin se deu ao trabalho de lhe escrever um poema, mesmo que horrível — ponderou Cresseida.

— Sim, você tem razão. É tão triste que eu fique tão cansada dessas coisas com apenas 24 anos, não é?

— Vai escolher Tamlin para sua lição? — perguntou Cresseida. — Parece-me que ele está precisando aprender umas coisinhas... especialmente sobre como as mulheres não são fracas.

Tomando um gole do vinho doce, Feyre sorriu.
— Para ser sincera, não estou certa de que valha o esforço. Na verdade...

Uma movimentação perto da escadaria capturou sua atenção e Rhys retornou ao salão de baile com uma mulher enganchada no braço. Não apenas uma mulher qualquer, reparou Feyre com uma leve careta: Ianthe Johns.

— Na verdade, o quê? — Morrigan seguiu seu olhar. — Ah, céus. Quem o convidou?

— Com certeza, não fui eu.

A srta. Johns não devia ter mais que 18 anos, o que a deixava uns bons 12 anos mais nova do que Rhys. Em termos de perversidade, no entanto, ele a superava em séculos. Feyre ouvira rumores de que o visconde estava cortejando alguém e, com o dinheiro de sua família e sua vivaz inocência loira, Ianthe sem dúvidas era o alvo, pobrezinha.

Rhys pegou as duas mãos da moça e Feyre rangeu os dentes. O visconde disse algo rápido e, com um sorriso radiante, soltou-a e afastou-se. O rosto de Ianthe corou e então empalideceu, e ela saiu correndo do salão.

Bem, aquilo deixou algo bem claro. Feyre se levantou, voltando-se novamente para as amigas.

— Não, nada de Tamlin — afirmou, surpresa com sua determinação tranquila.  — Tenho outro estudante em mente, um que precisa seriamente de uma boa lição.

Os olhos de Cress se arregalaram.

— Não está pensando em lorde Rhys, está? Você o odeia. Mal se falam.

Do outro lado do salão, a risada intensa de Rhys ressoou, e o sangue de Feyre esquentou até quase começar a ferver. Obviamente, ele não ligava a mínima para o fato de ter magoado os sentimentos de uma jovem garota — ou pior: de ter partido outro coração. Ah, sim, o visconde precisava desesperadamente de uma lição. Ele era, afinal, o motivo pelo qual haviam feito aquelas listas. E Feyre sabia qual lição ele precisava aprender. Na verdade, não conseguia pensar em alguém mais qualificado do que Rhys.

— Sim, ele. E, obviamente, vou precisar partir o coração daquele homem para fazê-lo, apesar de não ter certeza se ele sequer tem um. Mas...

— Shh — sibilou Cresseida, interrompendo-a com as mãos.

— Quem sequer tem um o quê?

Com a espinha enrijecendo ao ouvir aquela fala arrastada, Feyre se virou.

— Não estava falando com o senhor, milorde.

Rhysand Darkness, visconde de Velaris, a encarou, os olhos azuis-violeta entretidos. Ele não podia ter um coração se conseguia dar aquele sorriso charmoso e sensual logo após reduzir uma mulher às lágrimas e à fuga.

— E cá estava eu — disse Rhys —, aproximando-me apenas para dizer que a
senhorita está particularmente bela esta noite, lady Feyre.

Fey sorriu, fervendo por dentro. Ele a elogiava, enquanto a pobre Ianthe estava, sem sombra de dúvida, em algum canto escuro, chorando.

— Eu, de fato, escolhi este traje pensando no senhor, milorde — respondeu, alisando a saia de seda bordô. — O senhor gostou mesmo?

O visconde não era tolo e, apesar de sua expressão não ter mudado, deu um pequeno passo para trás. Feyre não havia levado um leque consigo aquela noite, mas seria fácil pegar o de Morrigan, caso mudasse de ideia quanto a castigá-lo ali mesmo.

— Gostei, milady.

O olhar arrebatador dele a examinou da cabeça aos pés, deixando-a com a sensação inquietante de que Rhys sabia se sua combinação íntima era de seda ou de algodão.

— Então é este que usarei em seu funeral — disse Feyre com um sorriso doce.

— Fey... — murmurou Morrigan, pegando seu braço. Rhys ergueu uma sobrancelha.

— Quem disse que a senhorita será convidada? — Com um sorriso diabólico, se virou. — Boa noite, senhoritas.

Ah, como ele precisa aprender uma lição!

— Como estão suas tias? — perguntou Feyre para as costas do homem. Rhys parou e, com uma leve hesitação, se virou.

— Minhas tias?

— Sim. Não as vi esta noite. Como estão?

— Tia Stryga está bastante bem — respondeu com uma expressão desconfiada. — E tia Bryaxis está se recuperando, embora não tão rápido quanto gostaria. Por quê?

Rá. Fey não tinha intenção alguma de explicar o motivo por trás de sua pergunta. Rhys que ficasse matutando até ela ter os detalhes de seu plano definidos.

— Por nada. Por favor, cumprimente-as por mim.

— Cumprimentarei. Senhoritas.

— Lorde Rhys.

Assim que ele não estava mais em vista, Morrigan soltou o braço de Feyre.

— Então é assim que se faz um cavalheiro se apaixonar. Sempre me perguntei o que eu estava fazendo de errado.

— Ah, cale-se. Não posso simplesmente me atirar nos braços dele. O visconde perceberia que algo está errado.

— Então como vai conseguir essa proeza? — Até mesmo a geralmente otimista Cresseida estava cética.

— Antes de mais nada, preciso conversar com uma pessoa. Contarei o que puder a vocês amanhã.

Dito isso, ela foi procurar Ianthe Johns. Rhys desaparecera, mas Feyre permaneceu atenta à presença de sua figura alta mesmo assim. Uma de suas características mais irritantes era o fato de que ninguém sabia quando ele podia aparecer.

Droga. Isso a lembrava de não ter perguntado a ele se fora convidado esta noite ou se tinha ido de penetra à festa de sua tia.

Uma busca minuciosa não revelou sinal algum da bela e jovem debutante, então, franzindo o cenho de preocupação, Feyre foi procurar a tia e reassumir suas funções de anfitriã. Ser a acompanhante que morava com tia Alis tinha tanto privilégios quanto algumas responsabilidades, e passar a noite sendo simpática em vez de subir para maquinar seu plano era uma delas.

Fazer Rhysand Darkness se apaixonar por ela era arriscado por mais de um motivo, mas era uma lição que ele precisava desesperadamente aprender. O visconde havia brincado com o coração de mulheres demais, e Feyre garantiria que isso não aconteceria mais. Nunca mais.

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⏰ Última atualização: Sep 08 ⏰

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