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Surya

O ar estava pesado, saturado pelo cheiro metálico de sangue e o som incessante do metal contra metal. 

Eu mal conseguia pensar. Minha forma bestial dominava meus instintos, cada movimento das minhas patas cobertas de ouro rasgava qualquer um que se aproximasse. O sangue dos inimigos pingava da minha boca, um rugido primal ecoava de dentro de mim, reverberando na batalha ao meu redor. Eu podia sentir a besta dentro de mim, sempre à espreita, sempre pronta, mas até agora, eu a controlava.

Então, eu a vi.

Lyana. Seu corpo, inerte, sendo arremessado pelo rei de Hybern como se fosse um brinquedo quebrado, caindo nas profundezas do caldeirão. Tudo dentro de mim parou. O som da guerra, os gritos ao meu redor, até mesmo o vento parecia se silenciar naquele momento.

Não.

Um rugido surgiu do fundo da minha alma, reverberando pela terra congelada, ecoando nas montanhas ao redor. Minha garganta queimava, a dor atravessava meu peito. Lyana, minha amiga, minha aliada, jogada fora como se não fosse nada. O desespero tomou conta de mim. O controle que eu mantinha com tanta firmeza... se despedaçou.

Eu não era mais Surya.

Eu era a fera.

A dor me consumia, cegava cada pensamento racional. As garras douradas rasgavam carne, quebravam ossos, e meu rugido ensurdecia até os sons da batalha. Eu não conseguia ver quem eu estava matando. Inimigo? Aliado? Não importava. Todos ao meu redor caíam. Sangue, gritos, destruição. A fúria em mim crescia a cada respiração, alimentada pela visão do corpo de Lyana desaparecendo no caldeirão. O rei de Hybern precisava morrer. Todos precisavam morrer.

Até que algo me derrubou.

Eu senti o impacto de uma força imensa contra meu corpo, me jogando ao chão, me tirando de meu frenesi. Tentei me levantar, tentei atacar novamente, mas uma luz ofuscante tomou conta do campo de batalha, me forçando a olhar para cima. E ali estava ele.

Meu pai. 

Seus olhos brilhavam com o poder do sol, seus braços erguidos como se segurassem todo o peso do céu. Eu senti sua magia me puxando, sugando a fúria da fera, dissipando o calor feroz que me consumia. A besta dentro de mim rugia em protesto, mas era inútil. A luz dele era forte demais.

Meu corpo começou a encolher, a forma bestial recuando, até que, ofegante, caí de joelhos na neve. O sangue ainda estava em minhas mãos — mãos novamente. Eu não conseguia respirar. A dor da perda, o choque da batalha, tudo veio à tona de uma vez só:

— Surya — a voz dele era firme, mas carregava uma suavidade que eu raramente ouvia. — Você precisa se controlar. Não podemos perder você também.

Eu olhei para ele, os olhos ardendo com lágrimas que eu não permiti cair. Lyana... Ela se foi. Meu corpo tremeu, e eu mal conseguia formular as palavras, ainda sentindo o resquício da fera dentro de mim, ainda querendo destruir tudo e todos:

— Ela... — sussurrei, minha voz quebrando. — Ela se foi.

Helion ajoelhou-se na minha frente, segurando meu rosto com uma gentileza que me desarmou. Eu fechei os olhos, tentando encontrar qualquer traço de sanidade em meio à dor. Minhas mãos ainda tremiam, mas a presença de meu pai era como uma âncora, me segurando no lugar. As memórias de Lyana, do que ela significava para mim, estavam misturadas à fúria que ainda queimava dentro do meu peito.

Eu tentei respirar fundo, focar no campo de batalha ao redor, mas tudo parecia borrado, como se a dor da perda de Lyana ainda segurasse meu peito com garras afiadas. O controle estava voltando aos poucos, mas a fera ainda rugia dentro de mim, pronta para irromper novamente. Meu pai ficou ao meu lado, silencioso, mas sua presença firme e calorosa era o único elo que me impedia de desmoronar de vez.

Corte de Luz e Sombras - Livro 1 - Fanfic ACOTAROnde histórias criam vida. Descubra agora