Capítulo único

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 Estou lentamente caindo, as asas de cera se desintegrando sob o calor do sol.

Deveria tê-lo ouvido.

Mas agora é tarde demais...

***

Meu pai, Dédalo de Atenas, é o maior e melhor inventor vivo. Ao menos, é o que ele me diz. O maior inventor vivo não estaria aprisionado com seu filho em um labirinto, se submetendo à vontade mesquinha e tirânica do Rei de Creta.

— Ícaro, questões como essas não dependem do saber ou da inteligência; a vontade dos reis e dos governantes é inexorável. Minos possui o controle dos navios e das rotas por terra; o que poderíamos fazer!?

Fico calado diante de seu argumento. Meu pai viveu mais tempo do que eu, afinal, e não passo de um menino que, durante metade da vida, viveu nesse edifício antes utilizado para abrigar um monstro metade homem, metade touro.

— Mas certamente eu mereço mais do que isso...? — murmuro. — Nós merecemos mais... homens como nós não foram feitos para serem aprisionados...

Meu pai franze a testa.

Homens como nós? Ícaro, você não é um homem ainda. É apenas um menino que passou metade da vida trancado aqui. Não trabalhou para reis, como eu. Não...

— Não matei meu sobrinho ou me tornei um fugitivo. Não ajudei uma rainha a se disfarçar para seduzir um touro. E, o mais importante: não ajudei Ariádne.

Não vejo o tapa chegando; apenas sinto a dor quente se espalhar pelo meu rosto. Instintivamente, protejo o local no qual fui esbofeteado e encaro meu pai. Seu peito está arfando com uma mistura de raiva e choque.

— Se acha que realmente ajudei a princesa, Ícaro, então é um tolo.

***

Não nos falamos durante alguns dias. Fico no meu canto do labirinto, imaginando como seria a vida lá fora. Tenho apenas vagas lembranças da vida fora do labirinto, porém me lembro de tudo ser belo e brilhante. Uma das coisas que sinto falta do mundo lá fora é o sol. O sol sempre me fascinou, me lembro bem. Seu brilho e calor me atraíam. Sinto falta do sol, do calor... também sinto falta da liberdade, mas mal posso me lembrar da sensação. Morar em um labirinto é terrível; a escuridão e a confusão que reinam aqui são tão indescritíveis que entendo como o minotauro — também chamado de Ariston —, se tornou um monstro. Eu também me tornaria um.

Faria qualquer coisa por liberdade agora., penso. Me pergunto se Minos já se sentiu como me sinto: confuso, cansado dos muitos caminhos do local, perdido, procurando pela única pessoa com quem teve contato na vida por quilômetros e horas a fio, sem nada para lhe guiar. Seu palácio certamente não deveria ser tão gigantesco ao ponto de se perder nele. No entanto, se tornou um monstro mesmo assim. Talvez os labirintos, independentemente do tamanho, transformem homens em monstros.

Não quero ser um monstro; como meu pai disse, sou apenas um menino que passou metade da vida em um labirinto. Mereço uma chance, e meu pai, por mais culpado que seja por nossas circunstâncias, continua sendo um grande inventor, e não só pelo que me dizem: tenho lembranças infantis de, por vezes, o grande Dédalo de Atenas iniciar e terminar pequenos projetos; nada de grandiosos labirintos, disfarces de vaca de madeira ou um chão que se move para Ariádne. Não! Houve um tempo no qual, entre seus grandiosos projetos, ocasiões nas quais Dédalo de Atenas se aventurava no mundo da fabricação de brinquedos. Passava algumas noites criando cavalos em miniatura tão belos que pareciam vivos, bigas em miniatura (que sempre me faziam lembrar de Hélio), piões (segundo ele, os mais rápidos de Creta)...

O labirinto não permite mais a meu pai que ele me fabrique brinquedos, talvez pela minha idade. Estou velho demais para brinquedos, mas ainda sou um menino. E preciso de liberdade.

Agora. 

***

Não vejo quando as escravas da rainha Pasiphae nos trazem a comida e os utensílios que devem durar por algum tempo. Nunca vejo tais coisas; apenas sei que estão ali. Acredito que sejam ordens do próprio Minos; não travar contato com o inventor e seu filho. Caso haja contato de qualquer gênero, haverá consequências.

Tenho a impressão de que Minos tem a intenção de nos tornar exemplos. Vejam o que faço com quem me desobedece, é o que o rei parece dizer. Em nos manter vivos, nos torna um exemplo. Assim como Ariston e os jovens enviados todos os anos como sacrifício, servimos não apenas como um exemplo mas também como uma forma de demonstração de poder.

Mas o que posso saber? Sou apenas um menino. Não sei minha própria idade — ou, ao menos, não tenho lembranças de ter tal conhecimento — , e passei metade da vida nesse maldito labirinto!

Ao menos a rainha Pasiphae é gentil o suficiente para nos trazer comida e, pelo que me lembre das poucas interações que tive com ela por intermédio do meu pai antes de tudo isso, era bastante gentil comigo. Agora que penso nisso, não me lembro de ter uma mulher — mãe ou irmã —, em minha vida. Meu pai mal menciona minha mãe; tudo o que sei é que ela era uma escrava cujo nome era Náucratis.

— Ícaro? Venha cá. Precisa comer.

***

Já sentado junto de meu pai, novamente insisto no assunto:

— Não acha que é inaceitável?

— Se for insistir no assunto novamente, Ícaro, melhor desistir.

— Não, não é isso... — minto.

Ele arqueia uma sobrancelha e mastiga o pão trazido pelas escravas. Continuo a falar, dessa vez rapidamente e com uma certa bajulação nas minhas palavras:

— Pai, sei que o senhor é o melhor e maior inventor do mundo, talvez de toda a História. Não acha que uma prisão em um labirinto não convém ao maior inventor que conheço ou que conhecerei? O senhor ainda tem muito a ensinar e a inventar; está desperdiçando seu talento com essa punição. Não acho que...

— Ícaro — interrompe meu pai —, se você continuar com achismos, é melhor ficar calado. Os fatos são: Minos tem o controle das rotas marítimas e pedestres. É impossível fugir.

— Sim, mas sabe se ele tem o controle do céu?

***

O silêncio que se segue é ensurdecedor e desconfortável. Finalmente, meu pai quebra o silêncio com um sibilo raivoso:

— Criança insolente! — sibilla ele. — Se formos avistados...! Não é a ordem natural das coisas...! Os deuses...!

— Acha que os deuses se importam? Que Minos se importa? Não seremos descobertos, não se formos engenhosos o suficiente para que nossa fuga passe despercebida. Pensa que Minos tem olhos e ouvidos por todo o lugar? Caso tivesse, não acha que Ariadne teria sido morta por ter ajudado Teseu!?

Meu pai fica calado e, por um instante, acho que novamente cairá em um dos seus silêncios — os que duram por dias, que resultam em trabalho furioso No entanto, essa não é uma dessas ocasiões.

— Vou pensar sobre o assunto — é o que diz antes de voltar a comer e ficar calado. 

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Ícaro (CONTO)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz