Ela me chamava de lisboa

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"Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,                  

é dor que desatina sem doer[...]"

Luís Vaz de Camões.

~Anita Berlinger~

-- Lisboa? -- Lima me fita atentamente enquanto afirmo com a cabeça. -- Que história é essa Berlinger?

-- Eu vou para Lisboa, vai ser bom para minha criatividade, novos ares entende?

-- Novos ares ou novas mulheres? Anita eu juro por Deus que se for por conta de mulher eu vou te bater. -- Instintivamente meu olhar viaja até a tatuagem que possuo no pulso, a maioria das vezes a escondo quando vou trabalhar, mas diariamente aquele "V" está ali, marcado na minha pele hoje em dia como uma infeliz lembrança da covardia que me abateu. -- Você vai atrás dela, não é? -- Minha respiração travou na garganta e meus olhos marejaram um pouco.

-- Eu, nem sei se ela irá cumprir a promessa Lima, mas você sabe muito bem que nós duas fizemos uma promessa que mesmo depois de anos, se ainda tivesse algum sentimento nós iríamos nos encontrar em Sintra.

-- Anita, você tem certeza? Só eu sei como você ficou depois do termino. -- Minha garganta se fecha e meus olhos ardem um pouco enquanto fixo o olhar no nada.

-- Ela é o amor da minha vida Lima, sempre foi e sempre será, faz dez anos que não olho nos olhos dela e mesmo assim parece que foi ontem que descobri que estava apaixonada por Verônica. -- O suspiro audível do meu irmão é o que me traz de volta, ele se levanta e aproxima-se de mim acariciando meus cabelos depositando um beijo e ali eu desabo, as lágrimas grossas me fazem sufocar a medida que um soluço entrecorta meu raciocínio.

-- Any, ei, respira fundo comigo. -- Sinto sua mão segurar meu rosto, virando-o para si.

-- Cada livro escrito, cada dedicatória tem ela, parece que Verônica se fincou em mim como ferro em brasa, eu quero esquece-lá, mas quanto mais me esforço para isso, mais as memórias dela vem com força, mais eu lembro as manias, os trejeitos, o estilo, porra se eu fecho os olhos consigo ver a forma como ela franzia o cenho quando estava concentrada. A minha inspiração gira em torno dela, ela é a musa das minhas obras Lima. O primeiro e último pensamento do meu dia é como seria as coisas se eu não tivesse sido covarde ao ponto de ter a deixado. -- As lágrimas despencam ainda mais de meus olhos. -- Eu ainda lembro o dia que eu me declarei.

Setembro de 1996...

Há três meses Verônica não sai da minha cabeça, sua risada ecoa em mim nos momentos de silêncio e sem perceber, tenho escrito sobre ela, sobre seus traços, trejeitos, sobre a forma como franze o cenho é como nicotina, ou pior, sinto-me uma viciada em abstinência quando estou longe dela. Eu não deveria ter me apaixonado pela minha melhor amiga, mas a cada dia vem se tornando uma tarefa impossível me manter afastada principalmente quando nós juntamos nossos olhares ou quando ela chega perto demais.

Desperto no susto sentindo duas mãos taparem meus olhos e o perfume agridoce invadir meu sentidos, Verônica tinha cheiro de lírios e a aura de um golden retriever filhote.

-- Adivinha quem é! -- A risada fraca atrás de mim faz com que cresça um sorriso em meus lábios.

-- Deixa eu pensar, é muito difícil de adivinhar. -- Fico um tempo em silêncio até escutar novamente a risada. -- Verô, você devia estar em aula, sabe que o professor fica pegando no pé de quem atrasa na aula dele.

-- Eu já estava indo pra lá, mas aí eu te vi aqui e lembrei de uma coisa que tinha que te falar.

-- O que é? -- Viro o corpo para encará-la nos olhos.

-- Quer vir lá em casa hoje? Achei uma garrafa de vinho do meu pai que tenho a certeza que ele não vai desconfiar se sumir, podemos ir pra aquele lugar do telhado e ver o pôr do sol de novo que nem naquele dia. -- O dia em que quase escapou pelos meus lábios que eu a amava além da amizade, um arrepio percorre minha coluna só de lembrar.

-- É... pode ser. -- Desvio meus olhos dos seus, sentindo meu rosto esquentar, droga!

17:30 da tarde...

Cheguei a um tempo na casa de Verônica, sempre tivemos essa coisa de observar o nascer do sol e o anoitecer, às vezes em completo silêncio apenas encostadas uma na outra, mas meus olhos sempre se prenderam nela em todo o momento, sem desviar um segundo sequer dos cabelos que tanto amava o cheiro e da visão particular da minha noite estrelada. A taça em minhas mãos encontrava-se pela metade quando a lua começava a despontar no céu e a bebida começava a dar aquele ar de coragem que não deveria ter, respiro fundo uma, duas, três vezes antes de tomar coragem, seja o que Deus quiser.

-- Verô, eu sei que... bom não sei por onde começar. -- Esfrego as mãos em minhas coxas antes de continuar, -- sei que somos amigas há bastante tempo, mas não sei de onde isso começou, meus olhos passaram a se prender em você com mais facilidade, eu começo a escrever e sem perceber já estou te descrevendo nos poemas, eu comecei a entender o porquê de as cartas de amor de serem ridículas, -- respiro fundo fechando meus olhos sentindo-os marejar -- isso tudo toda vez que olho para você ou penso em você, Verô eu não consigo parar de pensar em você, meu coração acelera na menor possibilidade de estar perto e por mais que eu tenha tentado você não sai da minha cabeça, eu não quero estragar nossa amizade Verônica, mas eu me apaixonei por você em algum momento e isso vem me sufocando. -- Abro lentamente os olhos, temerosa com a forma como ela pode estar me encarando.

Minha respiração travou quando fixei meu olhar nos olhos castanhos marejados em minha frente, ela ficou brava, é isso? Eu perdi minha amizade?

-- Verô, diz alguma coisa por favor, me xinga, bate em mim, só diz alguma coisa. -- E me assustando completamente, ali, em cima daquele telhado sob a luz do luar e em meio a taças de vinho, Verônica Torres fez o que eu não esperava, colocou as mãos em meu rosto e encostou seus lábios nos meus e foi como se a guerra que eu tinha travado internamente se calasse em um estalo.

-- Anita, Anita, ei Anita. -- assusto-me ao olhar e não encontrar mais Verônica em minha frente e sim um Lima com uma feição de preocupação, que ótimo, até nos meus pensamentos ela some. -- Que porra acabou de acontecer garota que eu estou te chamando a um tempão e você não responde peste. -- Sinto uma lágrima cair pelo meu rosto enquanto respirava fundo.

-- Ela me chamava de Lisboa, sabia? -- Sem dizer nada meu irmão me envolveu em seus braços novamente.

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Ai está o segundo capítulo, quero teorias sobre o porquê de nossa Anitinha ter terminado com a Verô.

Me digam se estão gostando ou não e não se esqueçam de votar e comentar muito e é isso, um beijo e fiquem bem. Desculpe qualquer erro ortografico.

Ass: Luiza.

Até você, LisboaOnde histórias criam vida. Descubra agora