CAPÍTULO DEZESSEIS

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APOLO

Já é quase meio-dia quando levanto. Não ter o que fazer já estava me deixando angustiado, afinal, nos últimos anos, em nenhum momento fiquei sem ter o que escrever por tanto tempo. E, no fim das contas, a escrita é o que mantém minha sanidade intacta - embora duvide que "intacta" não é bem a palavra para descrever o estado do meu psicológico.

Desço depois do banho, com os olhos atentos a cada canto da casa sombria. Sinto um desconforto no pé do umbigo conforme os degraus vão me levando para mais baixo, como se uma parte minha temesse escorregar e acabar caindo. Há muito tempo eu não era muito amigo de escadas, pelo menos desde aquele dia fatídico que tento com todas as forças empurrá-lo para o limbo das minhas lembranças. Contudo, falho inexoravelmente.

Eu tinha quase dezoito anos na época, estava prestes a começar o último semestre do último ano do ensino médio. Me recordo bem de que mais cedo naquela noite tinha participado de uma festa onde perdi minha virgindade com um colega de sala.

Entrava sorrateiro dentro da grande casa de dois andares dos meus pais - eles tinham voltado ao Brasil depois de vários meses trabalhando em um lançamento de algum tipo de bugiganga que serviria para observar o espaço. Pisava pé ante pé, subindo a escada alta de mármore claro, com detalhes em madeira polida.

Meus pais não podiam saber que eu estava voltando para casa quase às onze horas da noite, principalmente depois da minha saída escandalosa do armário. Os dois se mostravam incomodados com o fato de terem um filho gay e eles nem eram religiosos ou algo do tipo.

Até que, ao chegar no último degrau de cima, avistei meu pai andando na minha direção. Eu não tinha para onde correr sem atrair a sua atenção, então tudo o que fiz foi esperar ele estancar diante de mim.

Ele arregalou os olhos quando me viu em meio a penumbra, seu rosto se contorcendo em uma expressão que só pude associar a desgosto.

- Onde você estava? - questionou. A voz baixa não deixava de soar perigosa.

Ele vestia seu pijama de seda azul escuro, os óculos quadrados deslizando na ponte de seu nariz a cada cinco segundos, o que fazia-o empurrar para cima incansavelmente.

- Na casa de uma amiga. - Desviei os olhos para o chão, abaixando a cabeça. Uma coisa muito marcante sobre o grande Thomas Schmitt era que ele não gostava de ser enfrentado, então tentei manter o meu tom de voz baixo.

Ouvi sua respiração, o que me fez arrepiar.

Um.

Inspira.

Dois.

Expira.

Três...

- E não passou pela sua cabeça que seus pais se preocupariam com o seu sumiço? - O tom era o mesmo, mas ainda mais ameaçador. - O que você estava fazendo?

Sabia que precisava inventar uma desculpa, mas não conseguia formular nada diante da pressão do momento.

Um...

Dois...

Vai, Apolo!

Três...

Quatro...

O tempo está passando.

Cinco...

Seis...

Sete...

Oi...

- Diga, Apolo! - Foi como se uma faca transpassasse minha pele.

PRÍNCIPE DO INFERNO - [ SENHORES INFERNAIS - LIVRO 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora