1. Corvos e Sonhos

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As tábuas do mogno escuro rangem sob meus pés descalços ao caminhar lentamente por a sala, somente o luar iluminando parcialmente o lugar que me era familiar de alguma forma. As cortinas chamuscadas, o pé direito tão alto que se perdia de vista, como se o céu noturno pudesse despencar sobre minha cabeça a qualquer instante.

A cada madeira solta que piso, um arrepio violento me sobe a espinha, eriçando meus pelo da nuca, porém o medo não me pararia, minha curiosidade é maior, apesar do que poderia ter escondido nas trevas.

Me sobressalto ao escutar um baque surdo na janela. Ando nas pontas dos pés, cautelosa até demais, e encontro uma escura mancha de sangue escorrer pelo vidro. Sou capaz de ver o corvo se debatendo no gramado descuidado, agonizando em dor.

Meu estomago dá sinal de vida, e antes que pudesse me abaixar para regurgitar o que quer que tivesse aquele gosto amargo, outro pássaro bate contra o vidro, desta vez o estilhaçando em cima de mim, espalhando os cacos por toda parte.

Logo sinto a ardência dos ferimentos. Estico os braços e encontro sangue, manchando o vestido branco - vermelho quase pecaminoso contrastando com a pureza da peça -. Tateio o rosto, franzo o cenho descobrir um corte na bochecha.

Em busca do corvo, ou qualquer explicação, giro o corpo e lá está ele do outro lado da sala empoeirada, assim como o outro, lutando por seus últimos suspiros dolorosos.

Se eu fosse você, me afastaria das janelas.

Assusto-me outra vez. Procuro pela fonte da voz e identifico uma silhueta aos fundos do cômodo empoeirado.

— A noite eles ousam chegar perto demais. – Continua a dizer. Agora descubro ser voz de mulher. Doce, porém, vaga. Alegre, contudo, melancólica. Jovial, mas antiga.

A mulher permanece de costas. Seus cabelos, tão negros quanto os meus ouso dizer, ondulam opacos por suas costas até quase a altura dos joelhos. O grande vestido preto ao redor do corpo pequeno, no entanto - algo me dizia - nada frágil.

Dou um passo em sua direção, como se tivesse uma corda amarrada a meu estômago, me puxando, me levando até ela.

— Se machucou muito? – Ela se vira, mas não o bastante para que eu pudesse ver seu rosto.

Abro e fecho os olhos algumas vezes só para ter certeza de que minha cabeça não está me pregando peças, todavia, de fato, a pele exposta de seus braços se assemelha ao prateado e translúcido luar. Como se fosse a própria lua. Brilhando em meio a escuridão. Apesar dela.

Não encontro voz o suficiente em minha garganta seca pra responder a moça. Ela também não fala mais nada, apenas parece me observar através da grossa cortina de cabelos que lhe esconde as feições propositalmente.

Quero que fale mais. Quero escutar mais de sua voz, que de alguma forma me é tão conhecida, perdida em alguma parte de minha mente. Tão velha quanto o tempo.

Dou um passo adiante, encantada com a quase entidade, em busca de mais e acabo pisando em um caco de vidro, que me puxa para a realidade.

.

A luz de um trovão ilumina meu quarto, causando sombras turvas e assustadoras graças as gotas de chuva na janela.

Me levanto, fecho as cortinas e volto a me esconder sob meu edredom quentinho em um segundo. Odeio tempestades desde sempre, e mesmo aos dezessete anos, não consegui abandonar a medo.

Fecho os olhos com força, tentando voltar a dormir, quando me lembro do que me acordou.

Passo a mão no rosto em busca do corte, confusa se bati talvez na quina da mesa de cabeceira ou coisa do tipo, mas não encontro nada. Checo os dedos para ter certeza. Tudo limpo. Como pode ser? Eu me lembro de sentir dor aqui. Vividamente.

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⏰ Última atualização: Sep 13 ⏰

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