Amirah Del Rey suspirou, contando, como um ritual, cada gota de chuva que caía dentro do quarto. As paredes, que um dia já foram em rosa vibrante ao redor de sua cama de dossel, viraram sombras de si mesmas, desbotadas em um tom de pêssego faio, quase doentio. A antiga glória do cômodo, assim como da casa, tinha se esvaído junto com os sonhos de sua família. O cheiro levemente mofado que impregnava o ar parecia grudar na pele, lembrando-a do abandono não apenas material, mas também emocional.
A mansão, que já foi sinônimo de badalação e visitas ilustres, virou uma relíquia decadente de tempos mais prósperos. Não havia mais risos ecoando pelos corredores nem a música vibrante que um dia celebrara o sucesso de sua família. Tudo se tornara silêncio. Tudo se tornara pó. Nem mesmo os esforços de sua mãe, que ainda mantinha uma aparência impecável, escondiam o desespero por trás dos olhos exaustos. E seu pai... ele havia desaparecido, mesmo estando presente, soterrado em dívidas e fracassos.
Do que restava, a varanda era seu único refúgio. Amirah se aproximou lentamente, os pés descalços mal fazendo som sobre o chão de madeira rangente, e observou o lago ao longe. O reflexo das luzes distantes na superfície da água cintilava, trazendo um estranho conforto em meio ao caos. Era o único lugar onde conseguia, por breves momentos, respirar. O único lugar onde o peso esmagador das expectativas de seus pais e do futuro incerto não a sufocava completamente. Por quanto tempo ela ainda poderia se refugiar ali, se tudo à sua volta desmoronava?
A ansiedade beliscava seu peito, mas por algum motivo, as gotas de chuva, o vento frio, a vastidão escura lá fora a faziam sentir-se menos sozinha, menos impotente. A natureza era a única coisa que ainda se movia livremente, indiferente às ruínas de sua vida. Ela fechou os olhos, tentando se imaginar em outro lugar, em outra vida, mas tudo o que conseguia ver era o desmoronar lento, inevitável, daquilo que um dia foi seu lar.O som seco da batida à porta ecoou pela casa, interrompendo o silêncio melancólico que se arrastava pelos corredores. Amirah ouviu o ranger da porta e, em seguida, passos pesados no piso de madeira desgastada. Quando espiou pelo vão da porta de seu quarto, viu o homem alto, com ombros largos, segurando uma mala volumosa. Sua mãe, sem hesitar, desviou ao redor dele como se tudo já estivesse previamente combinado, sem se dar ao trabalho de explicar nada. Havia uma urgência tensa no ar, e aquilo a deixou inquieta.
O tecido do hobby escorregou um pouco pelo ombro, expondo a pele pálida, mas ela não se moveu, apenas observava, confusa, enquanto o homem ficava no canto, imóvel, como se esperasse instruções. A mãe de Amirah atravessou o quarto com um brilho incomum no olhar, pendurou um vestido branco de seda no guarda-roupa, com uma delicadeza que contradizia a urgência de sua entrada.
O vestido era deslumbrante, de uma seda que parecia fluir como água ao toque, brilhando mesmo sob a luz fraca do quarto. Não tinha dúvida: era caríssimo. Amirah sentiu um nó formar-se no estômago. Eles não tinham dinheiro para tal luxo.— Mãe, isso é... para quê? — finalmente perguntou, sem disfarçar a incredulidade.
— Finalmente o grande dia, chegou, minha filha!
Amirah permaneceu em silêncio, sentindo-se uma espectadora dentro da própria vida.
— Como assim? Que grande dia é esse?
Sua mãe, sem se virar, respondeu com uma calma superficial que não combinava com o tumulto interno que Amirah sabia estar borbulhando sob a superfície.
— Você vai precisar dele em breve. — Amirah olhou para o vestido, pendurado ali, como um fantasma à espera, e um arrepio percorreu sua espinha. — Um jantar de negócios, os bons dias vão voltar, filha. Essa noite será a melhor noite de nossas vidas.
Amirah observava a cena diante de si, estranhando cada vez mais o entusiasmo da mãe. Um bom negócio, agora? Com a casa quase em ruínas, os fantasmas da falência à espreita e a tensão sempre pairando no ar? Era difícil acreditar. Mas o sorriso de Samara, aquele brilho nos olhos que Amirah não via há muito tempo, a fez hesitar. Não fazia sentido, mas por ora decidiu não perguntar mais. Não queria estragar aquele raro momento de felicidade da mãe.