Amirah sentia o gosto amargo das lágrimas que escorriam silenciosas, cada gota carregando a tristeza de uma infância à sombra da negligência. O pai, com o olhar fixo, parecia quase um estranho naquele momento. O que ele pedia — não, exigia — fazia seu estômago revirar. O vestido branco, símbolo de pureza e esperança, agora estava sufocando ela; tão desalinhado quanto os pensamentos que a invadiam.
Ela o observou com uma intensidade que ele não notou.
— Filhinha — ele dissera, como se fosse normal, como se esse laço sempre tivesse existido. Mas Amirah sabia a verdade. Ele nunca fora doce com ela. Nunca houve afeto genuíno em seus gestos ou palavras, apenas exigências e frieza.
Com a taça de champanhe em mãos, o terno que um dia fora imponente, mas que já não escondia o desgaste dos anos mal vividos, ele tentava uma nova tática. Manipulação disfarçada de carinho.Ela respirou fundo, lutando para recuperar o controle que sabia possuir. Seu coração estava em pedaços, sim, mas Amirah não era mais a menina vulnerável que ele podia dobrar como quando criança. Sua empatia permitia que ela enxergasse a dor e os desejos ocultos nas pessoas — mesmo nos seus momentos de fragilidade — ela via o pai como ele realmente era: um homem desesperado, encolhido por suas próprias escolhas. O casamento não era para o bem dela, mas para que ele pudesse se erguer sobre as ruínas de seu passado.
— Você acha que é isso que eu mereço? — Sua voz saiu baixa e firme.
Os olhos dele não conseguiram sustentar os dela. Amirah percebeu, então, que tinha poder naquela dinâmica. Havia uma força nela que seu pai não entendia.
Ele apertou a mão dela um pouco mais forte, como se pudesse forçá-la a concordar pelo toque. Ela sabia o que ele esperava, mas não cederia. Amirah era inteligente, diplomática. Se o pai acreditava que a estava usando, mal sabia que ela já vislumbrava formas de virar a situação a seu favor. Não seria pela força, mas pela sutileza que ela sairia dali intacta.
— O que você quer de mim, pai? — perguntou, com uma suavidade que carregava um duplo significado.
Ela deixaria que ele acreditasse que tinha a vantagem, que ela seria a filha obediente mais uma vez. Mas por dentro, já planejava seus próximos passos.
Ele a puxou pelas escadas, o coração dela batia tão forte que parecia ecoar pelo corredor vazio. O aperto no braço por parte de Nico era insistente, violento ainda, mas carregado da ameaça de força que ele não hesitaria em usar. O cheiro de álcool vindo dele se misturava ao perfume velho e barato que ele usava. Cada passo fazia o salto dela virar um pouco mais, como se até os sapatos estivessem tentando impedir aquela caminhada.
— Você está com sorte, sabia? — Nico disse com uma voz áspera. — Ele é rico. E com ele você vai ter tudo. Não vai mais precisar dessa vida miserável.
Ela não respondeu. Não adiantava. O pai, com seu temperamento instável, só ouvia o que queria. Enquanto ele falava de riquezas e conforto, ela só conseguia pensar no vazio daquela promessa. Seria só mais uma mulher trocada por dinheiro, como sua prima havia sido. Ela lembrou do olhar apagado da prima, da resignação que jamais aceitaria para si.
— Pai, eu não quero isso — murmurou, a voz saindo hesitante, quase como um pedido.
Ele parou de andar por um segundo, olhando para ela com o cenho franzido, claramente irritado. — Não é questão do que você quer, menina. É o que precisa ser feito. Vai me agradecer um dia.
Ela sabia que não adiantaria tentar convencê-lo. Nico sempre decidia por ela. Mas agora, ao ver o rosto dele endurecido, soube que essa seria a última vez que ele tentaria. Uma chama de raiva acendeu em seu peito, misturada ao medo crescente.