Jantar de Desconfortos

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                   Henrique Lemos
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Eu ainda não entendo por que minha mãe está tão empolgada com esse jantar. Desde que ela sugeriu o encontro com o Yuri Alberto e sua família, parece que a ideia se transformou em um grande evento. Quando ela bate na porta do meu quarto, a roupa que eu estava usando claramente não passa no "teste" dela.

- Vai vestir isso, Henrique? - A pergunta soa mais como uma ordem.

Olho para a camiseta básica que peguei no armário e dou de ombros.

- Não é só um jantar normal?

Ela suspira e me entrega uma camisa azul, formal demais para meu gosto. Eu reviro os olhos, mas troco de roupa para evitar um sermão. Minha cabeça está em outro lugar. Tudo o que consigo pensar é no treino, no jogo contra o São Paulo, e agora, para piorar, nesse jantar.

Desço as escadas e fico próximo à janela, observando o movimento do lado de fora. Meu pai também parece empolgado. Quando a campainha toca, a tensão que sinto cresce. Não sou fã desses eventos sociais, ainda mais agora que estou tentando me concentrar no futebol.

- Henrique, vem cá cumprimentar nossos convidados - minha mãe chama com entusiasmo, e eu me arrasto até a porta.

A família de Yuri Alberto entra, e lá está ela: Gabrielly. Ela parece tão animada quanto eu, o que não é dizer muito. Nossos pais se cumprimentam como se fossem melhores amigos há anos, enquanto nós dois trocamos apenas um olhar rápido e um "oi" murmurado.

Sentamos à mesa, e o clima é estranhamente pesado. Nossos pais rapidamente mergulham em conversas sobre futebol. Pelo menos eles estão se divertindo. Eu fico ali, mexendo na comida, sem saber o que dizer. Até que a mãe dela me lança um sorriso simpático e pergunta:

- E aí, Henrique, como estão os treinos?

Forço um sorriso e respondo da maneira mais genérica possível.

- Estão indo bem, sim. Treinando bastante pro jogo.

Ela continua falando sobre o jogo, mas meu foco está dividido. Gabrielly não parece interessada em nada que está acontecendo. Pego o celular e olho as mensagens dos meus amigos, fingindo que estou ocupado.

Eu tento criar coragem para puxar assunto com ela. Algo simples, talvez sobre a escola ou qualquer coisa fora desse mundo de futebol. Mas antes que eu possa tentar, ela levanta os olhos e me pega no flagra.

- Você também tá entediado com tudo isso, né? - ela pergunta, sem rodeios.

Não consigo evitar um sorriso. Finalmente, algo com o que concordamos.

- Totalmente - respondo, olhando para os nossos pais, que continuam a conversar animadamente.

Ela balança a cabeça, claramente também fora de sua zona de conforto. O silêncio entre nós dois é mais confortável agora, e, por um momento, parece que podemos sobreviver a esse jantar sem grandes problemas.

Mas, claro, não poderia ser tão simples. Quando meu pai menciona algo sobre o desempenho dela em esportes, o rosto de Gabrielly muda na hora. Ela não gosta nem um pouco da forma como o assunto é trazido à tona. Eu solto um comentário sem pensar muito, tentando quebrar o clima tenso.

- Filha do Yuri Alberto e não gosta de esportes? Isso deve ser algum tipo de recorde.

Ela me encara, com os olhos brilhando de irritação. Instantaneamente, percebo que cometi um erro.

- Só porque meu pai é jogador, não quer dizer que eu tenho que gostar das mesmas coisas que ele - ela responde, seca.

Eu tento amenizar, levantando as mãos em sinal de rendição.

Entre Gols e Sentimentos - Henrique Lemos Onde histórias criam vida. Descubra agora