Capítulo 2 - Alexander

1 0 0
                                    

O cheiro de chuva iminente se misturava ao aroma úmido e terroso da floresta ao meu redor, mas eu mal conseguia processá-lo. Era como se o mundo natural estivesse se dissolvendo em segundo plano, reduzido a sombras e ruídos indistintos. Tudo o que eu conseguia sentir era o peso do aço às minhas costas, uma pressão constante que parecia ecoar a urgência insuportável que latejava em cada célula do meu corpo.

Minha mente era um campo de batalha sem trégua. De um lado, o medo sufocante de encontrar Elena destruída; do outro, a raiva incandescente que me impulsionava a continuar. O medo me paralisava por breves instantes, apertando meu peito como uma corrente, mas a raiva era a chama que queimava mais forte, alimentando a minha resistência, me mantendo de pé quando tudo dentro de mim gritava por rendição.

A exaustão borrava minha visão, mas o mundo ao meu redor permanecia cruel e implacável. Cada galho que estalava sob o peso do cavalo, cada folha que farfalhava no vento, era um lembrete brutal de que o tempo estava correndo contra mim. A urgência pulsava no ar, tão tangível quanto o aço em minhas mãos. Victor Blackwood não era um adversário comum — ele era uma sombra, um predador astuto e sem piedade. E eu? Eu era o tolo que o havia subestimado.

O cavalo sob mim avançava com passos largos e decididos, seus cascos ressoando contra a terra molhada, afundando na lama conforme a tempestade se aproximava. O ar estava pesado, carregado de eletricidade, e cada quilômetro que passava trazia consigo uma dor lancinante no meu lado. A ferida latejava, uma lembrança constante da batalha anterior, ameaçando me desacelerar, me forçar a ceder à dor e à exaustão. Mas eu não cederia. Não havia espaço para fraqueza. Não havia tempo para sentir dor. Havia apenas uma verdade: eu tinha que chegar ao covil de Blackwood antes que ele desaparecesse novamente com ela.

"Elena."

Seu nome era uma prece silenciosa, sussurrada entre os lábios trincados, reverberando na minha mente como um espectro, atormentando-me. Era como se a memória dela estivesse gravada em cada célula do meu corpo, uma dor fantasma que nunca cessava. A suavidade de seus lábios, a teimosia no brilho dos seus olhos... Esses eram os fragmentos dela que eu carregava comigo, e quanto mais pensava, mais me corroía por dentro. Havia uma força nela, uma luz que eu deveria ter protegido, mas falhei. Em vez disso, eu a deixei ser tragada pela escuridão.

O sentimento de culpa era um veneno, espalhando-se por cada fibra do meu ser, corroendo-me de dentro para fora. Eu falhei com ela, e isso me dilacerava. A culpa e o ódio por mim mesmo ardiam tão intensamente quanto o desejo de vingança. Victor me pagaria. De todas as maneiras possíveis, ele pagaria por cada segundo que ela esteve longe de mim, por cada ferida que ela carregava.

O céu acima estava prestes a desabar, o vento ganhava força, uivando entre as árvores como se o próprio mundo estivesse prestes a ruir. Mas eu seguia em frente, uma fera consumida pelo desespero, pela raiva e pela determinação. Nada, nem mesmo o inferno que me aguardava, me impediria de encontrá-la.

Eu a encontraria, ou morreria tentando.

Quando finalmente alcancei o vale onde Victor Blackwood foi visto pela última vez, o céu estava engolido por nuvens escuras, pesadas, como se a própria natureza estivesse à beira de uma catástrofe iminente. Cada rajada de vento parecia uivar, carregada de uma fúria silenciosa. E eu... eu era o epicentro desse caos prestes a explodir. Eu seria o arauto da destruição que estava por vir.

Desmontei do cavalo, sentindo o frio gélido que se infiltrava nos ossos, enquanto o vento rasgava a floresta ao meu redor. O ar estava denso, saturado com o cheiro de podridão e decadência, tão palpável que parecia rastejar pela minha pele. A cada passo que eu dava, a pressão em meus pulmões aumentava, como se o próprio vale estivesse vivo, resistindo à minha presença. Mas eu sabia que estava perto. O cheiro pútrido que pairava no ar era um presságio. As pegadas profundas no solo úmido indicavam sua pressa. Ele estava fugindo. Fugindo de mim.

O maldito sabia que eu estava atrás dele.

A tensão nas minhas costas, provocada pelo peso do aço que eu carregava, era insuportável. A cada movimento, ela aumentava, puxando meus músculos ao limite. Mas a dor era irrelevante agora. Meu foco estava completamente fixado no momento que se aproximava, o confronto final. Minha mente oscilava entre visões de vingança e redenção. Parte de mim desejava ver Blackwood dilacerado sob minhas mãos, desejava assistir cada segundo da agonia dele, fazer com que ele pagasse por cada grito sufocado de Elena. Mas a outra parte... a outra parte só ansiava por ela. Eu precisava segurá-la de novo.

"Elena."

Seu nome era um eco incessante dentro de mim, um grito silencioso que ressoava em cada canto escuro da minha mente. Seu rosto, sua presença, assombravam cada passo que eu dava. Mas havia uma sombra sobre esse desejo. Uma voz fria e implacável, enterrada nas profundezas do meu ser, sussurrava as palavras que eu temia mais do que qualquer coisa: "E se ela não for a mesma? E se o que você encontrar for apenas uma casca vazia? Está pronto para isso, Alexander?"

Eu não sabia. E esse pensamento me corroía, me rasgava por dentro.

Continuei avançando, forçando cada passo adiante enquanto o terreno se tornava mais traiçoeiro. Rochas afiadas e troncos caídos obstruíam o caminho, mas nada disso importava. Meus olhos estavam fixos na entrada da caverna adiante. Uma fenda negra, como uma boca escancarada de um monstro adormecido, exalando uma energia sombria e sufocante. Meu coração martelava dentro do peito, e meus dedos escorregaram ao redor do punho da espada, suando, enquanto me aproximava.

Eu sabia que ele estava lá dentro. E, com ele, Elena.

Minha respiração se acelerou, um turbilhão de ansiedade crescendo até quase me sufocar. Blackwood poderia ter preparado uma armadilha, ou pior... Ele poderia ter transformado Elena em algo além do que eu poderia imaginar. Mas, por mais que minha mente gritasse cautela, meu coração era uma força brutal que me empurrava para frente. Não importava o que me aguardava naquela escuridão; eu precisava vê-la, precisava sentir sua presença.

Assim que entrei na caverna, o ar ao meu redor se tornou denso, pesado como chumbo. Cada passo meu ecoava nas paredes úmidas, misturado ao som distante de gotejamento de água, enquanto uma vibração estranha percorria o solo, como se a própria caverna estivesse viva, consciente da minha intrusão. Era um lugar de morte, um santuário para o mal que Victor personificava.

E então, ouvi.

Um sussurro, quase imperceptível, suave como um suspiro à beira da morte. Por um instante, achei que fosse fruto da minha mente exausta. Mas o som se repetiu, mais alto dessa vez.

Meu coração congelou. Era a voz dela.

Eu a reconheceria em qualquer lugar, mesmo no abismo. Uma força primal me tomou, e eu me movi mais rápido, cada passo reverberando com a esperança desesperada que me corroía. Corri pelos corredores sinuosos da caverna, o ar ficando mais pesado, sufocante. E então, eu a vi.

Ela estava sentada no canto da caverna, acorrentada à parede como um animal capturado. Meu coração parou. Elena. Seu corpo estava frágil, quase irreconhecível sob a luz fraca que escorria pela entrada, mas era ela. Era Elena.

— Elena... — minha voz saiu como um sussurro trêmulo, quase quebrando com o peso da emoção. — Sou eu. Alexander.

Ela levantou a cabeça lentamente, seus movimentos pesados, como se o simples ato de me olhar custasse um esforço terrível. Quando nossos olhares finalmente se encontraram, algo dentro de mim se partiu. Seus olhos, aqueles olhos que antes ardiam com fogo e determinação, agora estavam apagados, vazios, como se a própria alma dela tivesse sido arrancada.

Meu sangue gelou nas veias.

— Elena — eu disse novamente, meu corpo todo tremendo enquanto eu dava um passo à frente, desesperado. — Você está segura agora. Eu... eu vim por você.

Ela piscou, lentamente, como se lutasse para entender o que eu estava dizendo. E então, com uma voz rouca, arrastada, cheia de uma dor que eu não conseguia compreender, ela murmurou:

— Quem... é você?

As palavras dela me atravessaram como uma lâmina afiada, rasgando tudo o que eu era. Meus joelhos cederam. A dor que explodiu no meu peito era insuportável, tão profunda que quase me fez gritar. Ela não se lembrava de mim.

O mundo ao meu redor desmoronou em ruínas. O silêncio da caverna era como uma lápide sobre o que um dia fomos. Eu a havia encontrado, mas a perdi para sempre.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 24 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Ecos da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora