O silêncio após a batalha era o mais cruel dos sons. Não havia gritos, não havia mais o choque metálico das espadas ou o ribombar distante dos trovões da guerra. Somente o vazio absoluto. Um vazio que reverberava nas profundezas da minha mente, criando um eco persistente de lembranças que eu daria qualquer coisa para apagar. Mas elas estavam lá, fixas como sombras no canto da minha visão, me assombrando, puxando-me para o abismo escuro da minha própria dor.
Abri os olhos com esforço, a consciência voltando aos poucos, ainda envolta em um torpor opressor. A sensação do sangue seco na minha pele me fez estremecer. O ferro amargo se misturava ao cheiro das ervas que impregnava o quarto, uma mistura sufocante que me prendia naquele momento. A dor era uma companheira constante, latejando no meu lado, onde a adaga de Thomas havia cravado, como se o aço ainda queimasse dentro de mim. Mas por mais que meu corpo estivesse dilacerado, a verdadeira ferida, aquela que me consumia, era o vazio imenso em meu peito. Um vazio faminto, onde antes havia algo que eu jamais soubera nomear. Ela. Elena.
O nome dela ressoava na minha mente como uma maldição, mas também como uma prece desesperada. A morte dela — ou o que eu havia acreditado ser a sua morte — me despedaçou. Quando achei que ela tinha ido embora para sempre, o que restou de mim foi apenas uma casca vazia, quebrada, incapaz de sentir algo além da dor. Meus olhos vagaram pelo quarto sombrio, capturando cada detalhe com uma clareza dolorosa. As paredes de pedra pareciam se fechar ao meu redor, abafando o fraco brilho da manhã que se filtrava pelas janelas. A luz deveria ser reconfortante, um símbolo de renovação, mas para mim, era uma ironia cruel. Não havia mais conforto. Nem na luz, nem no escuro. O que restava era o desespero, uma fera indomável e silenciosa, rugindo dentro de mim enquanto devorava cada pedaço da minha sanidade.
Ela está viva.
Essa verdade corroía meu interior. Sabê-la viva me libertava de uma prisão apenas para me lançar em outra ainda mais cruel. Cada batida do meu coração parecia ecoar o nome dela. Elena. Elena. Elena. Não havia paz, apenas o constante martelar da necessidade. Eu tentei me mover, mas o corpo vacilou, traidor. Senti a fraqueza nas articulações, a dor irradiando do meu lado ferido, mas me recusei a ceder. Não podia me dar ao luxo de descansar. Não enquanto ela estava nas mãos de Victor Blackwood. Não enquanto cada segundo que passava significava mais dor para ela.
"Elena," sussurrei, como se o próprio som pudesse infundir força em meus ossos, como se proferir o nome dela pudesse conjurá-la de volta para mim. Mas não adiantava. Eu era apenas um homem despedaçado, vazio e devastado. As memórias dela eram tudo o que me restava, e elas me seguravam com garras de ferro, impiedosas, rasgando cada parte de mim que tentava se libertar.
Ela estava sofrendo. Eu sabia disso. O monstro que a tomou, Victor Blackwood, não tinha piedade. Eu o conhecia bem demais. E o pior de tudo era que eu falhei com ela. Deixei que ela caísse nas mãos dele. Quando tudo o que eu deveria ter feito era protegê-la. Era meu dever.
Eu não merecia perdão. Não depois de todas as promessas que quebrei. Mas precisava encontrá-la. Não por redenção, pois essa já havia sido perdida há muito tempo. Eu a buscava como um homem condenado busca a absolvição, sabendo que o inferno já lhe espera de braços abertos. Fechei os olhos e a última imagem dela me atingiu como uma lâmina, afiada e cruel. Elena, viva. Sorrindo, desafiando o mundo, me enfrentando com aquele olhar que fazia parecer que eu poderia conquistar o impossível só por tê-la ao meu lado.
Agora, havia apenas escuridão entre nós. Densa, sufocante. Eu não sabia onde ela estava, nem em que estado se encontrava. Cada pensamento era um golpe de angústia, uma dúvida insuportável que queimava dentro de mim. Tudo o que eu sabia era que precisava trazê-la de volta. A qualquer custo. Não importava o preço, nem o que eu tivesse que sacrificar.
— Alexander... você precisa descansar.
A voz suave me arrancou da espiral de desespero. Margot, a curandeira da família, estava ali, envolta pela luz bruxuleante das velas que iluminavam o quarto. Ela sempre fora uma presença silenciosa, quase etérea. Seus olhos, normalmente calmos, carregavam um brilho de tristeza ao me observar naquela cama. A preocupação estampada em seu rosto me irritava. Como ela ousava se preocupar comigo? Não havia mais espaço para isso. Não para alguém que havia falhado tão profundamente.
— Não tenho tempo para descanso, — minha voz saiu rouca, embargada pela urgência, mas também pela exaustão. — Ela está lá fora. Eu... eu preciso encontrá-la.
Meus olhos se fixaram nos dela, tentando passar a intensidade que me consumia, mas Margot permaneceu parada por alguns segundos, sua expressão inabalável. Ela sabia, como eu sabia, que nenhuma palavra dela mudaria o que eu estava decidido a fazer. Mesmo assim, o olhar que ela me lançou estava impregnado de uma compaixão que me corroía por dentro. Não precisava de sua pena. Eu não queria consolo. Só havia uma coisa que eu precisava. Elena.
— E se ela não for a mesma? — Margot quebrou o silêncio com uma pergunta temerosa, sua voz baixa, quase como se o próprio ato de falar fosse um sacrilégio. — E se o que Victor fez a... destruiu?
As palavras dela bateram em mim como um soco no estômago, tirando o ar dos meus pulmões. Eu engoli em seco, tentando afastar aquele medo que espreitava nas profundezas da minha mente. Era uma verdade que eu não queria encarar, uma possibilidade que eu evitava desde o momento em que soube que ela estava viva. Quem era Elena agora? O que restava da mulher que eu amava? Quantas cicatrizes Victor havia deixado na alma dela?
Minha garganta se apertou, e por um instante, eu fiquei paralisado, perdido no labirinto dessas dúvidas. Mas então, com um esforço brutal, expulsei esses pensamentos. Não importava. Não agora. Não até eu vê-la com meus próprios olhos.
— Não importa como ela esteja, — minha voz vacilou, carregada de emoções que eu tentava controlar. — Eu vou trazê-la de volta. Mesmo que eu tenha que enfrentar o próprio inferno para isso.
Margot soltou um suspiro pesado, o som ressoando no silêncio do quarto como uma rendição. Ela se afastou lentamente, sabendo que não havia mais nada que pudesse ser dito. Eu estava decidido. E, naquele momento, ficou claro o que sempre fora verdade: eu estava sozinho nessa jornada. Sempre estive. A escuridão ao meu redor não faria nada além de crescer enquanto eu buscasse Elena. Mas eu seguiria em frente, passo por passo, imerso na dor, guiado por um único propósito. Não por mim. Por ela.
Cada músculo do meu corpo doía, os ossos pareciam de vidro prestes a se estilhaçar, mas a dor física era insignificante comparada à tortura interna. A traição pulsava em minhas veias, misturada com o peso insuportável do fracasso. Ainda assim, em meio àquele caos de sofrimento, jurei a mim mesmo, mais uma vez.
Eu a encontraria. Eu a salvaria. E qualquer homem — qualquer criatura — que ousasse se interpor entre nós pagaria com sangue por cada segundo que ela esteve longe de mim.
Afinal, eu era Alexander. E eu nunca mais falharia em cumprir uma promessa.
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Ecos da Dor
Romance"Ecos da Dor" - Livro 2. Sequência do livro "Votos de Ódio". A dor do desaparecimento de Elena ecoa pela alma de Alexander, moldando cada uma de suas decisões enquanto ele luta para manter o reino em pé. O luto transformou-se em raiva e determinaçã...