Lá fora, o sol de verão estreava e seduzia os corpos terrestres nesse início de ano, trazendo o típico calor tropical com elegância. Porém, seus raios não penetravam de forma tão assertiva o interior da casa modesta; não no quesito luminosidade, e sim na vibração animadora que nos outros lugares.
Havia há pouco terminado de arrumar o quarto de paredes azuis, e estava sentado na cama, observando hipnotizado a tela do próprio smartphone. Lia uma mensagem de sua mãe, que dizia: “seu pai me fez uma surpresa incrível, filho! Vamos ficar mais uma semana em Porto Seguro”. Bem… parece que para alguém, as férias estão sendo boas, embora aparentemente a “surpresa incrível” seja apenas isso; já parece melhor que as férias mesquinhas que Henrique passou preso naquela casa na cidade de Salvador.
Salvador. Terra tão bela e de inúmeros pontos turísticos de tirar o fôlego, e esse rapaz trancafiado no quarto. Sozinho, contemplando os sussurros vazios da própria moradia.
Levantou da cama, ficou de frente para o espelho adornado em madeira que há em sua parede, arrumou os cabelos pretos e cacheados, bufando. Quem o vê, pensa que gosta da solitude, mas está de saco cheio dela.
Prometeu a si mesmo que mudaria, sairia mais, conheceria pessoas novas, seja na faculdade ou em qualquer outro lugar, viveria novas experiências. Porra, essa é a vida normal de um jovem universitário, qual era o problema dele em não seguir o padrão? Ele não precisa, mas ele quer. E ele possui uma proposta para tirar a monotonia de suas férias mórbidas e frias.
“Cara, estamos indo para Santa Rosa, fica a uns 110 km daqui” – dizia a primeira mensagem, enviada há quatro dias, por um colega de faculdade. – “Vai eu, Maria Eduarda e Caroline. Sei que você é bicho do mato e talvez não aceite haha. Brincadeira… bom, não conversamos muito, você é sempre muito fechado, mas vejo como olha pra Carol. Eu poderia fazer uma operação cupido pra unir vocês, o que acha?” – parece que ele tem boa memória.
— Pra que eu faço promessas de ano novo, se não vou cumpri-las? — resmunga contra o próprio reflexo, alisando a barba rala.
A mala já estava feita, ele só precisava que o nó no estômago se desfizesse para então apanhá-la e seguir rumo. Como não se desfez, resolveu que ele próprio o faria. “Vou viajar para o interior com uns amigos” – enviou para a mãe em resposta à sua permanência em Porto Seguro. Claro que a mulher ficou surpresa e maravilhada, a resposta esperada era, na verdade, que iria comer nuggets com miojo e refrigerante enquanto assiste alguma série.
Pegou as malas, conferiu se havia trancado toda a casa, e partiu para o metrô, e em minutos estava próximo de Lauro de Freitas.
Próxima parada: casa de Bruno Guimarães. Caminhou só uns doze minutos, e o GPS não precisava dizer que ele havia chegado ao destino, poderia reconhecer muito bem. Não a casa, mas o Fiat Toro com pintura preta impecável, com porta-malas aberto, receptivo às bagagens de seus passageiros. De costas, seu dono, um jovem de físico definido e cabelos loiros como o próprio sol, sempre bem alinhado e ajeitado.
— Ainda tem espaço pra mais um? — de maneira tímida e com um sorriso nitidamente forçado, Henrique se aproxima do carro.
O homem se virou e mirou os olhos castanhos sobre a face insegura do colega de faculdade, abrindo então o mais sincero e elegante dos sorrisos.
— Nossa, você chegou aos quarenta e cinco do segundo tempo! — puxa Henrique para um abraço, desconcertando o garoto.
Afinal, qual a última vez mantive contato físico com outro ser humano?
— A gente já tava indo — se desvencilha, pegando a mala das mãos do recém-chegado e amontoando com as outras no extenso fundo do carro.
— É… na hora — pigarreia, ainda sem saber se era a melhor coisa a se fazer, por isso o embrulhar no estômago. — Isso… é uma cabana? — aponta para algo que nota sua atenção meio às bagagens.
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Apostas Mortais
HorrorHenrique é um universitário recluso e antissocial, morador de Salvador, que decide fazer deste começo de ano algo diferente. Ele aceita acampar com mais quatro colegas no interior da Bahia, mas o que o grupo não esperava era uma série de apostas mor...