1. Objeto translúcido

550 44 108
                                    

Eram oito horas da manhã quando cheguei para mais um dia de trabalho na Bernardes & Associados. O céu estava de um azul intenso, e o trânsito, surpreendentemente tranquilo para uma manhã carioca, permitiu que eu chegasse em exatos vinte minutos, o tempo que normalmente levo até o escritório. Aquela calmaria matinal contrastava com a tensão que eu carregava internamente há dias. O cansaço acumulado pelas noites mal dormidas e o volume imenso de trabalho estavam começando a me pesar.

Assim que estacionei no vasto estacionamento da empresa, avistei Rafael saindo do carro logo à minha frente. Ele estava impecável, como sempre, usando seu terno cinza escuro que eu já havia visto em outras ocasiões. Rafael, com seus trinta anos bem vividos, tinha uma aparência que não passava despercebida. Alto, cerca de 1,85m, pele morena, cabelos negros perfeitamente penteados e uma barba curta que acentuava seus traços fortes. Sua presença era imponente, e o sorriso meio de lado que ele sempre trazia no rosto adicionava um charme natural.

— Fala aí, Arthur! — ele disse, com aquela familiaridade que só os colegas mais próximos mantêm.

— Oi, Rafa! — respondi, tentando soar normal, mas algo dentro de mim dizia que as coisas estavam diferentes.

Nos últimos dias, algo no comportamento de Rafael estava estranho. Talvez fosse só o meu cansaço me fazendo imaginar coisas, mas eu tinha a sensação de que ele me olhava de um jeito que antes não acontecia, como se quisesse estabelecer uma conexão além da profissional. Havia algo nos olhos dele, um brilho, talvez, que sugeria algo mais, mas eu não conseguia entender completamente.

Depois de me cumprimentar, percebi um gesto peculiar: Rafael passou a mão sobre o volume de sua calça social, como se quisesse chamar minha atenção de forma sutil. Era um terno cinza escuro, um dos vários tons neutros que ele costumava usar. Assim como eu, ele seguia o protocolo rígido de vestimenta do escritório, onde nós, advogados, estávamos sempre com roupas formais e discretas. E sim, era comum repetirmos peças, afinal, ninguém espera grandes variações de um advogado quando o assunto é moda.

— Não vejo a hora de me tornar sócio pra poder estacionar mais perto da entrada — resmungou Rafael, enquanto caminhávamos juntos. — Um dos poucos privilégios que realmente vale a pena neste escritório gigante.

— Para de reclamar, Rafael. Não é tão longe assim — respondi, sem muita paciência.

— Como assim, Arthur? — ele retrucou, meio indignado. — A gente sai do ar-condicionado do carro, veste esses ternos quentes e, às oito da manhã, o sol do Rio já está fritando. Até chegar no prédio, já estou suando, e aí, mais um choque térmico ao entrar no ar-condicionado de novo.

Ele tinha um ponto, admito. O calor carioca não perdoa nem nas primeiras horas do dia, mas eu não estava com disposição para continuar a conversa. Apenas sorri de lado e dei de ombros, deixando que o assunto morresse ali. Abri o porta-malas do meu carro e comecei a recolher os processos físicos que estavam acumulados, prontos para mais uma rodada exaustiva de trabalho.

Enquanto caminhávamos em direção à entrada principal da Bernardes & Associados, Rafael olhou para o volume de papéis que eu carregava e, curioso, perguntou:

— Isso tudo é processo da Dantas Corporação?

— Sim, é — respondi, sem entrar em muitos detalhes.

Eu estava liderando uma equipe em uma investigação contra a Dantas Corporação, uma das maiores empresas do país, envolvida em uma série de irregularidades. Mesmo sendo jovem, com apenas vinte e sete anos, havia sido escolhido para liderar o caso. Talvez fosse meu histórico de sucesso em processos complexos que me colocara nessa posição, ou talvez o fato de que os advogados mais experientes já estavam ocupados com outros casos. De qualquer forma, era uma responsabilidade gigantesca, e, embora existissem advogados mais velhos na equipe, eu tinha a maior experiência com casos de investigação empresarial.

O Código do Coração (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora