A vida estava meio estagnada antes de eu entrar na Bernardes & Associados. Minha mãe, coitada, continuava naquela luta de sempre. Faxina três vezes por semana, quando tinha sorte, e à noite se matava naquela máquina de costura antiga, fazendo reformas de roupas ou pegando encomendas simples pra clientes que também estavam apertados. O som da máquina costurando já era parte da rotina. Eu sabia que o salário que eu ganhava na época mal cobria as contas de casa, e qualquer coisa além disso era um luxo. Raramente sobrava grana pra um rolê decente com os amigos no fim de semana, e levar Cibele pra algum lugar bacana? Esquece.
Cibele... bom, Cibele era aquela morena parda, cheia de curvas, com uma bunda que chamava atenção por onde passava. Fazia quase um ano que a gente estava nesse lance que, pra todo mundo, parecia namoro. Ela vivia dormindo na minha casa, às vezes durante a semana inteira. Mas, nos últimos dois meses, o que a gente tinha começou a esfriar. A faísca do começo se transformou numa brasa quase apagada. A real é que a gente ficou junto por conveniência, por costume, por rotina. Não era mais aquele fogo do início, era só uma sensação de que ficar separados exigiria mais esforço que continuar. Eu sabia, e ela também. Ela sumia de vez em quando, passava uma semana sem aparecer ou sem me responder, e quando voltava, agia como se nada tivesse acontecido. Minha mãe? Ela aceitava, mas dava pra ver que não estava totalmente confortável com a situação.
Meu irmão, Léo, tinha 15 anos, e se dependesse de mim, já estaria trabalhando, mas ainda não podia. Aquele moleque é uma máquina de gastar arroz e feijão. Parece que come mais do que eu. De brincadeira, eu sempre falava que, se ele continuasse assim, eu ia precisar arrumar dois empregos só pra manter o estoque da despensa. Mas, brincadeiras à parte, eu amo aquele moleque. Tento cuidar dele do jeito que posso, principalmente pra que ele não passe pelas mesmas vergonhas que eu passei na escola. Lembro bem da sensação de andar com os tênis surrados, mochila velha, e materiais escolares que mais pareciam restos. Nunca tive a chance de "tirar onda", mas faço questão de dar pro Léo o que eu não tive. Sempre que dá, arrumo uns tênis maneiros pra ele, ajudo no que posso, mas também puxo a orelha quando ele vacila. Ele sabe que sou duro às vezes, mas é pro bem dele.
Nosso pai faleceu quando o Léo tinha apenas 5 anos. Ele morreu devido a complicações de um câncer de pulmão. Depois disso, minha mãe assumiu o papel de mãe e pai, se matando pra manter a casa funcionando. Não foi fácil, mas a gente sobreviveu. O Léo, apesar de tudo, seguiu bem. O moleque passou num vestibulinho pra ensino médio e agora tá estudando numa escola técnica pública, daquelas de excelência. Tem horário integral, das 7h às 17h, onde também faz curso técnico de Edificações. Já sonha em cursar engenharia civil, e pelo jeito que ele tá indo, eu tenho certeza de que vai conseguir.
Eu, por outro lado, estava há três anos na Farias, Torres & Bastos Advogados, mas insatisfeito até o último fio de cabelo. Tá certo que eu era office boy e passava boa parte do tempo na rua, mas aquele escritório parecia o inferno. Pequeno, abafado, mal iluminado. Parecia sujo o tempo todo, mesmo com a faxineira aparecendo lá de vez em quando. Os três advogados com quem eu trabalhava estavam perto de se aposentar e me tratavam como se eu fosse o serviçal particular deles. A arrogância daqueles caras era um sapo que eu tinha que engolir todo santo dia. Eles nunca agradeciam por nada. Às vezes eu achava que tinha virado invisível. Só pedia a Deus por uma oportunidade melhor, porque eu sabia que não podia ficar ali pra sempre ganhando uma mixaria.
Até pensei em virar Moto Uber, como o Delson, meu amigo, mas minha mãe tinha um medo absurdo dessa ideia. Ela falava que eu ia acabar me metendo com gente do mal, indo parar em favelas perigosas. Além disso, minha moto, uma KTM 390 Duke, chamava muita atenção. Minha mãe sempre dizia que eu tinha que ter uma moto mais simples pra não ser alvo de assalto. E eu sabia que ela tinha razão, mas trocar de moto não era uma opção pra mim.
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O Código do Coração (Romance Gay)
Romance+18 Arthur, advogado em ascensão e super requisitado, trabalha no escritório de advocacia Bernardes & Associados. Ele apresenta postura firme e brilhante diante dos desafios que a carreira o impõe, não treme na base quando o assunto é defender seus...