3: Doutora

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''Nós devemos criar outro homúnculo.''

disse Aldebaran.

Após se tornar complexo, quase ninguém mais podia falar com ele, nem mesmo notar sua presença.

Aldebaran movia os braços, enquanto fazia símbolos com as mãos.

Na própria tela mental, ele observava os símbolos e tomava cuidado para estar sob a luz da estrela mais próxima, debaixo das nuvens rápidas.

Outros seres, formas de vida menos complexas, não entendiam o que ele fazia, e na verdade sequer podiam perceber a existência dele. Além da sombra distorcida que o acompanhava, nada podia vê-lo.

Em seu transe imaterial, ele apreciava algumas das formas de vida esponjosas, criaturas de ondas interdimensionais retorcidas e pequenos lagartos coloridos, no espaço quadridimensional.

Os lagartos passavam a maior parte do tempo correndo atrás de mariposas holográficas, que na verdade eram projeções das formas de vida esponjosas.

As formas de vida esponjosas, por fim, devoravam os lagartos, os mastigando com dentes de rochas sedimentares e fome irrefreável.

Enquanto movia as mãos, girando os dedos e entoando símbolos, a luz da estrela alimentava seu corpo que era vivo e carregava energia, e isso mantinha seu maquinário mental funcionando.

Nos símbolos, ele registrava de forma mais refinada a experiência de um plano extradimensional, com auxílio da criatividade posta em prática na tela que era visível dentro da própria cabeça.

Em seu estágio de pupa, Aldebaran fazia isso por impulso, e não entendia ao certo como funcionava, apenas sabia o gosto agridoce que tinha, e a fumaça que escorria líquida, como se estivesse em um tanque.

Som de sinapse, zumbido maquinal, loading de maquinário mental...

De súbito, ouviu a voz da doutora dentro da própria cabeça:

''Você sabe por que foi criado, aldebaran?''

A Doutora vestia jaleco preto, com os cabelos desgrenhados, soltos, balançando mesmo sem vento.

-Viajar, conhecer, registrar.

''Viajar para todos os lugares, conhecer todas as coisas e registrar tudo.''

Era a resposta que ele conhecia, tão cedo, quando mal havia sido criado.

''Preste atenção, aldebaran.''

De algum lugar, ela tirou um giz azul, desenhando 3 círculos na mesa, formando um triângulo invisível.

''Você irá conhecer muitos mundos, um de cada vez.''

Ela pegou um baralho de cartas, então começou a embaralhar, olhando para os dados que fluíam pela tela.

''Da mais comum à mais diferente forma de vida, em todos os mundos e universos possíveis, há algo em comum:

Todas as coisas são unidades, podem ser quantizadas no espaço e no tempo.''

Ela espalhou as cartas na mesa, onde havia desenhado com o giz;

''A informação pode ficar carregada no tempo e no espaço, e até mesmo em espaços fora do tempo, ou tempos que não possuem espaço, experiências que simulam a passagem do tempo em ciclos de transformação da informação, vestindo qualquer roupagem que for, da matéria mais sutil até a energia mais densa. ''

Ela pegou diversos cristais dos bolsos do jaleco preto, então começou a sacudir as mãos, contendo os cristais entre os dedos.

Ao acaso, três pedras caíram da mão dela, uma onyx, uma opala e uma jade, cada uma em cima de uma carta que estava na mesa.

''Cérebros, ou centros de processamento, como você possui, são apenas cópias elétricas de qualquer realidade que seja, de dados sobre coisas experienciadas.''

A Doutora removeu todas as cartas da mesa, com exceção das 3 que possuíam os cristais sobre elas. As três cartas estavam dentro dos 3 círculos de giz azul.

''Seus sentidos são dados, analisados e traduzidos dentro de você, dando sentido e te permitindo reagir. ''

Lentamente, ela começou a virar as cartas.

O Louco, O Eremita e O Mundo.

''O que você precisa fazer é conhecer, Aldebaran, e tudo será naturalmente registrado, é assim que a vida funciona.''

Aldebaran 06Onde histórias criam vida. Descubra agora