Aguyjevete

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Um dos capítulos mais emocionantes que já escrevi, e há uma carga nele que hoje  me obrigo a revisitar.

Quando eu escrevi Asas de Ouro, acompanhei dia após dia minha mãe no hospital, passando AVC, Aneurisma, troca de válvula de Hidrocefalia, um coma de mais 100 dias. Me senti muito só, desamparada, sem ajuda e me sentia só até aqui, mesmo sabendo que vocês nunca me abandonaram

Agora, minha mãe foi para casa há uma semana, mas ontem iniciou uma sepse e está no "conforto". Eu não vou mais lutar. Aguyjevete significa em guarani, estar bem em espírito, estar em paz. Rezem por ela, pra que ela descanse, e por mim, pra que eu não quebre

Aguyjevete mamapatch.

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- Amaury, espera! - Ramiro corria atrás de Amaury por entre a mata alucinógena e colorida, já haviam saído da trilha

Atrás dele, a pantera gigante corria também, farejando pelo ar os homens que buscavam abrigo

- Anda Ramiro! - Amaury estava em pânico!

Por mais que soubesse que no astral, nada pudesse afetar seu corpo físico, nem lhe render dor de fato, o preto tinha pavor ainda de feras

Ainda fazia curva para evitar a ala selvagem que Roberta mantinha com sua esposa, apesar de concordar com a importância do resgate e preservação daquelas especiais de grandes gatinhos

- Porra, caralho, buceta! - Ramiro xingava a cada galho que batia em sua cara, que já o irmão ao correr, abria espaço entre os arbustos com as mãos

E Ramiro que estava atrás, levava varadas na cara, já arranhadas e com filetes de sangue etéreo

Podia ser só seu espírito ali, mas era louco e mentiroso quem dizia que não havia dor!

- Vem cá! - Amaury puxou Ramiro para um abrigo

Havia uma grande árvore tombada, e suas raízes saindo do chão formavam uma pequena caverna onde estariam protegidos por um tempo

Os homens estavam ofegantes e Ramiro ainda não entendia toda aquela correria, nunca viu Amaury demonstrar medo em sua face, além dos momentos de desespero quando Diego estava desaparecido

- Amaury, se acalma! - Tocou o ombro do irmão, vendo ele quase branco de susto - O que aconteceu? A gente corre perigo no astral?

Parecia sem sentido correr de algo lá no plano espiritual, sendo que nem o corpo físico estava ali

- Eu não sei, eu já fiz esses rituais com ayahuasca com outros propósitos - Geralmente, para fortalecer seu espírito guerreiro - Mas eu nunca vi uma pantera assim, e quando ela se aproximou eu senti um aperto tão grande no meu peito!

O homem de dreads segurava o peito como se pudesse diminuir as palpitações do coração

- Mas era só uma pantera! - Mesmo que fosse enorme

Ramiro não sentiu aquele apavoro que Amaury sentia, e após toda a correria, estava até calmo!

- Eu sei, mas os olhos dela... - Algo parecia lhe sufocar - Engatilhou algo em mim que eu nem sei se é real...

De repente, o medo se tornou uma dor profunda que Amaury carregava em si, através de um sonho que tinha desde garoto

Ali, suas mentes ainda podiam passar flashes de lembranças e sonhos como um filme, e o preto não conseguiu conter aquela lembrança que sempre o atormentava e arrancava lágrimas grossas do seu rosto

Início da Visão

- Nhamanu mirim, Nhamanu mirim... - Uma voz doce e serena ninava um bebezinho pretinho com cachinhos grudados na cabeça e pintinhas no rosto - Coe coe, coe coe coe...

Coração de Ouro - AU Kelmiro/Dimaury Onde histórias criam vida. Descubra agora