Prólogo

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"O mar é o habilidoso desenhador de ausências".
- Mia Couto.

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Palm adorava o som das ondas quebrando próximas as rochas da praia. Tratava-se de uma sinfonia extremamente familiar que nunca deixava de provocar-lhe sensações de tranquilidade e pertencimento. Ele era um cara das águas, desde quando trabalhava como pescador, sentia como se fosse uma segunda casa.

Estava cansado? Ia dar um mergulho.

Tinha insônia? O sal e a areia eram soníferos ideias.

Precisava pensar? O balanço do barco ajudava nisso.

Pannakorn se arrisca a dizer que naquele lugar encontrava um conforto bastante semelhante ao provocado pela presença de alguém. Sentado na areia, embalado pelo barulho do mar, ele observava seu bar, que, devido às altas horas da noite, já estava fechado após um longo e agitado sábado de verão. Uma de suas maiores realizações, mas também a representação de suas maiores saudades.

Quando perdeu a mãe, prometeu a si mesmo que transformaria sua antiga pousada, My Michelle, em um local moderno e aconchegante, onde a personalidade alegre da mulher pudesse permanecer viva. Ao deixar Nueng, jurou que eternizaria o amor deles em algo que fosse significativo. Assim surgiu o Nuengdiao Bar & Café. Uma mescla das duas pessoas mais importantes na vida de Palm.

Na maior parte do tempo, era extremamente grato pelo estabelecimento, apesar de todo o trabalho que tivera com a construção - tinha orgulho em dizer que foi responsável por levantar cada estaca que dava sustentação ao bar - e de toda agitação que vinha com a recepção da clientela, o controle dos funcionários, a supervisão na preparação das bebidas, as compras dos suprimentos, a locação dos quartos, bem como todas as demais obrigações que um gerente precisava cumprir, dar continuidade ao sonho da genitora e se dedicar de cabeça ao trabalho, era o que havia impedido Pannakorn de se sentir tão sozinho na maior parte do tempo ou de até mesmo sucumbir a tentação de buscá-lo.

Palm admite que, mais vezes do que gostaria de dizer, havia entrertido, em seu interior, a ideia de abandonar tudo e ir correndo para Bangkok. Para ser sincero, custava a acreditar que resistiu por tanto tempo. Cinco anos. Sim, meia década tinha se passado desde que o homem decidiu sair daquele hospital sem avisar seu namorado, deixando apenas uma carta como justificativa. Se ele se arrependia de tal ato? Alguns dias mais do que em outros. A lembrança de Nuengdiao nunca se afastou de seu coração, realmente. Cada vez que fechava os olhos, ele podia vê-lo, tão perfeito como sempre.

Às vezes, Pannakorn se perguntava se tudo que viveu com o herdeiro dos Kiattrakulmethee foi, de fato, verdade. Parecia uma realidade tão distante. Ele e Khun Nueng buscando abrigo junto à pousada da mãe, os dois se protegendo e apoiando enquanto estavam na pequena cidade, as declarações, os beijos, os corpos quentes se entrelaçando, as brincadeiras, a adrenalina e os riscos que por tantos meses superaram juntos. Mas a tatuagem, que para sempre estaria cravada em sua pele, assim como seu amor por Nuengdiao o faria em seu coração, não permitia dúvidas, tudo aquilo realmente aconteceu. Khun Nueng foi e ainda é, certamente continuará sendo pelo resto da vida, seu grande amor.

Esta foi a razão pela qual o rapaz num ímpeto de coragem - ou loucura - ele ainda não soube classificar, decidiu ir a capital da cidade, depois de ver um anúncio numa página do Instagram, que continha a imagem de seu ex-namorado e um convite para assistí-lo em um concerto de música clássica. O peito de Palm se encheu de orgulho e seu coração, inclusive, disparou um pouco ao ver que seu amado continuava fazendo algo que tanto gostava, tocar piano. Ele era tão talentoso. Toda vez que se sentia especialmente deprimido, o pescador permitia-se ouvir alguns segundos de um áudio que, furtivamente, gravou de Nueng cantado uma parte da música que escreveu, a mesma que tocou durante o casamento de David e Wu.

Gostaria de dizer que tinha sido destemido e ousado para se aproximar do homem que tantas vezes desejou secretamente reencontrar - ainda que houvesse sido sua própria culpa a separação - mas não foi assim. Pannakorn Jannaloy assistiu todo o espetáculo, escondido entre as cadeiras da última fileira do teatro, com o boné, que o próprio pianista havia dado de presente, ocultando seu rosto - mesmo que fosse quase impossível distingui-lo no meio de tantas pessoas - porém, ao terminar o último ato, preferiu fugir novamente, levando consigo, dessa vez, uma grande íncognita, que por dias a fio vêm corroendo seu interior. A imagem daquela criança de mãos dadas com Nuengdiao se repetia de novo e de novo em sua mente, desde que o momento aconteceu. Era uma linda menina, com seus cinco ou seis anos, e poderia ter sido apenas uma acompanhante, talvez aluna da companhia de música, conhecida, prima ou filha de algum funcionário - Nueng valorizava novos talentos e certamente teria feito de tudo para incentivar alguém com potencial - porém, o que realmente havia capitado sua atenção fora o pingente que fazia parte de uma correntinha que estava no pescoço da menina, um sol.

O mesmo sol que ficava pendurado na pulseira que ele havia presenteado Nueng.

O mesmo sol que ele, agora, encarava a poucos metros de si.

Antes que Palm tivesse a oportunidade de tentar dizer algo, ainda que talvez sua voz sequer saísse de tão seca que estava sua garganta, com o coração disparado e os dedos gelados, como se estivesse vendo um fantasma, o timbre grave, tão conhecido por si, já que aquela pessoa tantas vezes já o repreendera, mas também, muito lhe fez juras e promessas de amor - palavras que jamais foram esquecidas por sua mente ou seu coração - soou:

- Boa noite. - Fez uma saudação tímida, exatamente como quando se viram pela primeira vez. Os olhares se conectando de forma ininterrupta.

Assentiu, tentando voltar sua respiração ao normal. O visitante, sem demora, emendou:

- Eu gostaria de reservar um quarto. - Fez uma pausa e dirigiu seu olhar para baixo, mais, precisamente, para uma mãozinha que estava conectada a sua. - Um quarto para duas pessoas, na verdade.

O pescador puxou o ar para os pulmões por um momento, torcendo para que seus nervos a flor da pele não fossem tão visíveis frente a postura impecavelmente controlada do outro. Em seguida, com todas as forças restantes, obrigou-se a responder.

- Claro. Uma reserva de um quarto para dois. - Mantenha-se profissional Jannaloy, tentou convencer a si mesmo - Por uma noite?

- Por uma semana.

Sentindo-se, ligeiramente, tonto e talvez um pouco enjoado, Palm questionou o que era de praxe:

- Quais os nomes eu deveria colocar? Para a reserva, eu quero dizer.

- Ah! Somos Nuengdiao e Mam Sea* Kiattrakulmethee.

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* Mam Sea - Mam (Nome da mãe do Palm) + Sea (Mar em Inglês).

Waves Between Us  🌊 PalmNueng Onde histórias criam vida. Descubra agora