00 | Prólogo

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Foi tudo tão bonito, mas voou pro infinito
Parecido com borboletas de um jardim

— Borboletas, Victor e Leo

— Borboletas, Victor e Leo

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Antes

As mãos dele se fecharam ao redor da borboleta azul, um tapa oco. Sufoquei uma respiração engatada e corri até ele. O mato alto raspava em minhas pernas e levantava meu vestido rodado. O chão fofo e instável me desequilibrava e, quando finalmente consegui alcançá-lo, precisei me apoiar em seu ombro para não cair de cara na grama.

— Não era pra matar! Por que você fez isso? — gritei, e ele sorriu, os olhos arregalados como se quisesse me assustar com a ansiedade da espera.

Suas bochechas rosadas estavam mais vermelhas embaixo do sol, e seu cabelo parecia laranja sob a luz quente da tarde. Ele era igual aos anjos das pinturas que papai pendurava nas paredes, aquelas que encaravam a gente no silêncio da noite quando cruzávamos com elas, os olhos seguindo cada passo trêmulo. Mamãe costumava odiá-las, mas eles já estavam separados há mais de dois meses, não fazia diferença. 

Acho que, no geral, se parecer com um anjo nem sempre é bom. Criaturas divinas podem parecer realmente assustadoras, sejam em telas ou no mundo real. As outras crianças se espalhavam como formigas assustadas no momento que ele chegava. Talvez sua altura fosse intimidante, a casa velha e barulhenta onde morava, ou o pai que andava com um rifle ao redor do quintal, aninhando-o ao peito como se fosse um mascote. Eu até conseguia entendê-lo, anjos precisavam ser protegidos.

E nada disso me apavorava. 

 Dei um tapa no seu ombro quando ele não me respondeu.

— Estende as mãos — falou, finalmente, com um aceno suave de cabeça.

Fiz o que ele mandou.

Meu vizinho colocou a mão em concha entre nós, as pontas dos dedos encostando no tecido do meu vestido, então as abriu. Um borrão azul saltou para fora, atordoado, as asas translúcidas planando até tocar as minhas palmas erguidas. Ela pousou e ficou.

— Eu não matei ela. Peguei pra você.

Sorri, observando como ela era brilhante por dentro. Sua textura desigual se abria como um buraco negro, ficando mais profunda conforme a cor alcançava as bordas.

— Ela parece mágica — eu disse, erguendo minhas mãos na altura dos olhos dele, para que tivesse uma visão tão boa quanto eu, mas sua atenção não estava focada no lugar certo. 

Ela estava voltada para mim.

Sempre achei seus olhos azuis muito opacos e sem vida, mas, naquele momento, vi que eles brilhavam exatamente como a borboleta. 

— Eve, vem pra casa, está tarde! — meu pai gritou ao longe, e eu me assustei. O tremor repentino fez com que o inseto voasse, ziguezagueando por caminhos incertos, ainda aturdido.

— Vamos, antes que ele me acuse de te sequestrar.

Meu vizinho pegou minha mão e, sem aviso, me puxou. Corremos entre a grama alta, saltando grandes amontoados de verde que dificultavam e encobriam nossos passos. Ele sempre me tirava de casa pela manhã, então me devolvia quando o sol começava a se esconder. Acho que eu nunca soube o seu nome, embora o considerasse meu único amigo, nos referíamos um ao outro apenas por apelidos. Quando somos crianças, temos a incrível facilidade de criar laços genuínos sabendo o mínimo possível das pessoas.

Nossas incursões pela cidade tomaram minhas férias inteiras naquele verão. Eu o contava tudo, mesmo que sua vida fosse um livro em branco para mim. Ele era um bom ouvinte e eu precisava desabafar. Meus pais, aqueles que eram perfeitos e tinham nascido um para o outro, estavam se separando, eu não conseguia me encaixar na nova escola, minha vida estava de cabeça para baixo, parecia que tudo sempre estava destinado a acabar, mas ele prometeu que ficaria tudo bem.

Então, ele sumiu. 

Certo dia, desapareceu como se a terra tivesse se fechado sobre ele, como duas mãos em concha.

Poison EveOnde histórias criam vida. Descubra agora