- Não sei se devia ser assim, devia? - Elisa retrucou de forma estranha naquela mesa de jantar. - É saudável?
- Ajuda em alguma coisa. - Respondi, mexendo em movimentos retos com uma colherzinha a minha xícara de chá.
- A parede é bonita, não deveria demolir aquela parte, além do mais, ele gostava daquela parede. Você acha que talvez não esteja pensando demais?
- Foi a única coisa que ele me permitiu fazer quando decidiu morrer. - falei, o chá estava horroroso, então não bebi mais. Elisa se contorcia por dentro de suas roupas, e eu, rezava para que ela não falasse mais sobre como Lucas gostava das coisas, eu sei disso, não ela. E eu não queria ser rude com uma senhora que todo mundo gostava, o que isso diria de mim? Não me entenda mal, caro espectador, mas não é que eu me segure para não ser rude com ela, só seria chato ter que ouvir sermão aquela hora. Meu rosto tremeu um pouco, e suspirei profundamente, ela notou que o assunto não me agradava, eu queria derrubar aquela parede. - Veja bem, aquela parede é feia, velha, úmida e inconveniente, aquela parede parece que não para de fazer barulho, é como se ela rangesse direto. Quero ela fora da minha casa.
- Eu entendo. - eu duvidava se Elisa entendia mesmo.
- Onde estão as outras? O cheiro de tabaco da Letícia e o cheiro persistente de acetona do corpo de Cíntia por vezes me fazem falta.
- Não quer que eu seja uma companhia suficiente? - Eu acho que ela estava prestes a choramingar ou algo do tipo, desviei o olhar, não queria de forma alguma ver aquilo.
- Você não tem nenhum cheiro, nem sequer um ruim. Pode prestar atenção que você me chamou para tomar chá, poderia ser vodka.
- São 9 horas da manhã. - Elisa pareceu revoltada, será se até naquele momento pensava em Cíntia? O álcool já havia levado boa parte da integridade do seu fígado. A questão é que Elisa sempre ficou dedicando a sua vida para cuidar dos outros, parecia uma freira, o que era engraçado. Elisa sempre odiou as freiras, e quer algo mais engraçado? Cíntia era uma.
Estava cansado daquela conversa, pensei demais em uma coisa que não era a que eu queria, sempre perdia minha vista no meio de muitas coisas, e a minha mente estava sempre em direção ao mar nesses momentos, quando saímos daquela cafeteria, eu me despedi de Elisa com um abraço bem falso e comprei uma vodka no caminho, em um bar sujo que dava de frente ao mar. Saí em direção àquela luz do farol, de novo, me aproximei dele e vi o mar bater forte contra as rochas, pretendia olhar para as rochas e ver realmente Lucas ali, descansando, para a eternidade, mas comigo, em casa, fora do mar, pelo menos por algumas horas até tirarem ele de mim mais uma vez e o colocarem sete palmos abaixo do chão, esperando a terra e vermes comerem a sua carne, lembrei-me vagamente de Brás Cubas e sorri brevemente. Fora o motivo da economia financeira, e nem sei se tanto assim, por que as pessoas insistem em caixões? caixão de madeira diferente, com luzes, com espessuras diferentes, com decorações entalhadas e firulas, flores brancas e podres, ou levemente arroxeadas e até amarelas, mas podres. Castiçais, velas, tapetes, paletós feios, costuras na boca, algodões nos ouvidos e nariz. Quando eu morrer, pretendo ser cremado e jogado fora, não quero ser guardado em cima de nenhum móvel guardando poeira, eu já serei poeira. Acho egoísta todo esse gasto para manter viva a memória de quem não está mais aqui, não quero ninguém me visitando de ano em ano num dia da semana para dar paz aos mortos e se me visitarem, visito eles depois da vida. A paz, só terei no dia que eu estiver longe, no mar. Como cinza, não precisarei me preocupar em saber ou não nadar - porque eu não sei.
Mas Lucas nunca foi assim, ele tinha esse egoísmo, assim como as três parentes dele, as três senhoras. Porém, ter ele como forma de suprir essa minha visão egoísta era melhor do que não ter nem como saber como ele está. Está inteiro? duvido muito. Vivo? Pior ainda. Mas eu estava, e o egoísmo ainda fazia parte dos meus sentimentos humanos.
Cheguei em casa e dei de conta daquela garrafa quase transparente, bebi como água, a aparência era a mesma, só não o gosto. Rodava e rodava com uma música de fundo, o cabelo se jogava por cima do meu rosto, minha roupa era a de dormir, branca e fina, a garrafa da bebida rodava em meus braços como um bebê, enquanto eu rodava e rodava, respirava fundo e via as luzes ao meu redor se contorcer, girarem, como se uma pessoa com astigmatismo estivesse bêbada, o que era exatamente o caso.
Lembro-me de subir as escadas quase escalando, assim como as rochas, não queria morrer caindo das escadas e quebrando alguma coisa, ainda que bêbado, continuava a ser uma preocupação minha. Cheguei no andar de cima e fui até o quarto, me deitei na cama, agarrando o travesseiro onde ele dormia e suas roupas, que ficavam no lado da cama onde ele costumava ficar, dormi as cheirando.
Tudo que aconteceu naquela hora foi engraçado, agora que estou pensando sobre, porém, no momento, foi assustador, eu sentiria mais medo se estivesse sóbrio. Lembro de ouvir um rangido nas escadas, abri os olhos e agarrei mais o travesseiro em que estava segurando, coloquei os pés no chão e fiquei pensando em alguém pegar eles, mas não aconteceu. Andei e andei, saindo do quarto devagar, com as pupilas dilatadas e pelos eriçados, andei devagar pelo corredor do andar de cima, olhando por onde eu conseguia enxergar. Segurei no corrimão, desci as escadas devagar, olhando tanto para os lados que até doeu o meu pescoço. A música, que tocava na televisão, tinha parado, porque a televisão estava quebrada, jogada no chão da sala e com o vidro estilhaçado, eu subi de novo as escadas, caí no sono, e no outro dia eu liguei para a polícia, de manhã, às 9 horas.
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AQUELA LUZ
General FictionEstava olhando mais uma vez no horizonte, um mar revolto, invadindo o céu com ondas altas mais uma vez, olhei e me lembro apenas de encarar o mesmo local, não me chamava, e como toda vez que eu procurava algo, só havia mais do mesmo, apenas silêncio.