Sob o manto negro

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"Vejo os rostos que nunca mais sorrirão,

Olhos que me fitam com medo,Mas também com alívio, talvez,Pois sou o descanso de um sofrimento sem fim. 

Ou não..."

   No dia em que fui buscar George no hospital, não esperava reencontrar Grace. Estava distraído, vagando pelos corredores frios e assépticos daquele lugar que exalava o cheiro da dor e do desespero. Mas então, lá estava ela. Grace. Assim que nossos olhos se cruzaram, percebi que ela me reconheceu de imediato. Seu olhar carregava um misto de surpresa e curiosidade. Tentei, desesperadamente, manter a postura que sempre adotei — de ser alguém egocêntrico, distante, pouco acessível. Mas com Grace, essa máscara nunca funcionava. Ela tinha o estranho poder de me desarmar de uma maneira que eu não conseguia explicar.

   Ela era uma mulher de personalidade forte, imbatível em sua determinação e sempre com uma resposta pronta, afiada como uma lâmina. Dessa vez que estávamos juntos, eu sentia a tensão crescer dentro de mim, como se estivesse constantemente em uma batalha — não contra ela, mas contra mim mesmo. Grace despertava o bem e o mal que coexistiam em mim, de uma forma que ninguém mais conseguia.

   Caminhávamos lado a lado pelo hospital, com o som das nossas passadas ecoando pelos corredores vazios. Ela levava consigo o suporte de soro, preso ao braço por uma fina agulha, o acesso da quimioterapia firmemente atado ao seu punho. Observando-a de perto, não pude deixar de notar sua graciosidade natural, que parecia desafiar as circunstâncias. Grace irradiava uma energia contagiante, mesmo em meio àquela tempestade de dores e incertezas. Seu sorriso, sempre presente, era quase um desafio ao próprio destino, uma faísca de otimismo em meio a um cenário de sofrimento.

   Ela mantinha aquele sorriso enquanto falava, mesmo sabendo que o tratamento cruel lhe roubava um pouco de si a cada dia. O brilho em seus olhos nunca parecia diminuir, nem mesmo quando sua pele estava pálida, o corpo fraco. Era como se ela carregasse uma chama que recusava-se a ser apagada. Então, de repente, ela quebrou o silêncio com uma pergunta inesperada, sua voz suave mas firme, cheia de curiosidade:

— Me fale sobre você.

   Aquela simples frase me atingiu como um golpe. Até aquele momento, eu estava perdido em minha própria análise sobre ela, fascinado com cada detalhe, tentando entender como alguém podia ser tão forte e, ao mesmo tempo, tão vulnerável. Agora, com sua pergunta, ela havia esgotado o tempo dessa contemplação silenciosa.

Engoli em seco, sem saber exatamente como responder. Olhei para frente, evitando seu olhar direto.

— Não há nada de interessante para contar sobre minha pessoa, ou até mesmo sobre a minha vida — murmurei, tentando soar casual, mas cada palavra saía carregada de um peso invisível.

   Eu sabia que estava mentindo, que havia muito mais por trás de quem eu era, mas algo em Grace me deixava exposto demais, vulnerável demais. E naquele momento, o único caminho seguro era me esconder atrás das palavras vazias.

— Eu acho isso impossível, Wood. Todos nós construímos uma história nesse mundo, seja ela boa ou ruim. Somos especiais, sempre temos algo de interessante para contar — disse Grace, com aquela voz serena, mas carregada de uma determinação que eu nunca conseguia ignorar.

Solto um blefe, tentando manter a distância emocional que sempre me protegeu:

— Nem todos, Grace. — Parei ao seu lado, minhas mãos afundadas nos bolsos do casaco, sentindo o peso das minhas palavras antes de pronunciá-las. — Existem histórias que precisam permanecer mortas e enterradas.

   Olhei-a fixamente, o que só a fez suspirar. Ela sempre reagia assim, como se estivesse decidida a não se deixar intimidar. Sua expressão não era de frustração, mas de uma curiosidade quase divertida, como se estivesse disposta a me decifrar, uma peça de um quebra-cabeça que ela se recusava a deixar inacabado.

— Qual será a sua, Wood? Boa ou ruim? — A questão foi lançada como um desafio, e ela estalou a língua enquanto me olhava com aquele sorriso provocador, arqueando a sobrancelha com a confiança de quem sabia que estava jogando um jogo que eu preferia não jogar.

   Soltei uma respiração pesada, um suspiro profundo que mexeu meus ombros com um ar de descaso, como se fosse fácil me livrar daquele peso.

— Não é boa, acredite — digo com frieza, sem deixar margem para interpretação. Nossos olhos se encontraram por alguns segundos, e então dei pequenos passos à frente, o suficiente para que ela conseguisse me acompanhar sem esforço. Cada passo meu parecia mais pesado que o anterior, como se eu estivesse carregando uma culpa invisível.

Grace soltou um sorriso sarcástico, um brilho provocador dançando em seus olhos.

— Você é um homem mal, senhor Wood? — A pergunta saiu de seus lábios como uma faca envolta em seda, desafiadora, mas suavizada por seu tom brincalhão.

   Soltei uma risada amarga, que reverberou pelos corredores vazios do hospital. A encarei dos pés à cabeça, estudando-a com uma intensidade que talvez a fizesse estremecer, mas Grace parecia inabalável.

— Você não faz ideia — pronunciei as palavras com uma gravidade proposital, deixando claro o abismo que nos separava. Minha voz soou sombria, quase como um aviso. Não era um blefe dessa vez; eu realmente queria que ela soubesse o quão distante eu estava de qualquer coisa que pudesse ser considerada "boa".

   Ela, no entanto, fez algo que me pegou de surpresa. Tocou gentilmente no meu ombro, seus dedos leves, mas firmes. E com aquele olhar cheio de uma bondade que eu não merecia, disse:

— Duvido disso, Wood.

   Havia algo nos olhos dela que me desarmava por completo, uma pureza que eu não sabia lidar. Grace continuou a caminhar pelo corredor, a passos calmos, sem pressa. No final, a porta do quarto dela aguardava, e ela entrou sem olhar para trás, deixando apenas sua sombra projetada no chão diante de mim.

   Fiquei ali, parado, assistindo àquela sombra desaparecer, enquanto meus pensamentos giravam como uma tempestade em minha mente.

"Ah, Grace... você não faz ideia do que está por vir. E muito menos do que sou capaz de fazer."


Simplesmente, Sr. DarkwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora