Silêncio 🔞

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O silêncio contra os ouvidos grita.
Vazio como o copo de quem tem sede.

Afogando-se nos mesmos ecos dos gritos que nunca dei, das palavras que não ousou pronunciar, da súplica do simples pedido.

O silêncio, para alguém acostumado a se cercar de palavras, é como estar acorrentado e algemado, mas com a chave nas mãos, sem poder usá-la.

Palavras. Combinações infinitas de letras que podem fazer tudo, causar todos os problemas existencialmente possíveis e, também, resolver todos.

As pessoas dizem que uma ação pode falar mais que mil palavras, um beijo, um abraço, um sorriso, um toque. Mas naquela madrugada, naquela noite tão fria de três dias depois, Ramiro não queria a ação que valia mil palavras. Ele queria um único sussurro, um vislumbre da comunicação que eles trabalharam tão arduamente por tanto tempo para construir.

Era madrugada, quase três da manhã, um horário horrível pra se pensar na vida. Quando o sol nascesse e depois, viesse a se pôr outra vez, seria noite de quinta.

Quinta, a noite de encontro.

Na última noite de encontro, eles foram ao circo, Ramiro adora palhaços e certamente nunca viu nada tão legal como os truques de mágica. Ele precisa de um agora.

Na verdade, ele está começando a achar que precisa de um milagre, pois nem mesmo os mágicos mais experientes daquele circo conseguiriam fazer o que ele tanto queria, na noite do encontro, ele queria encontrar Kelvin.

O loiro não esperava pelo café da manhã na cama, ele desce as escadas assim que desperta, agora mais cedo do que nunca, porque as noites mal dormidas são um inferno.

Ramiro sabe muito bem disso. Sabe tanto que está dormindo na sala de estar, já que não consegue ficar sequer perto do gelo que emana do seu próprio marido.

E Ramiro gostaria de dizer que é orgulhoso e teimoso e que não está dormindo na cama deles porque está respondendo à ignorância de Kelvin com mais silêncio, mas isso seria uma mentira.

Ele está dormindo naquele sofá horrível porque não consegue suportar quando seu corpo inconsciente anseia por se envolver com o loiro.

Porque ele não consegue lidar com Kelvin e seu sono leve que tira suas mãos toda vez que ele o toca, que deixa suas perguntas sem resposta, que o castiga com a falta de palavras.

Ele preferia que gritassem com ele por horas, especialmente com Kelvin, que costuma falar tanto, que o silêncio do loiro é como uma faca lenta que perfura seu peito e nunca para.

Ele odeia o silêncio, mas odeia ainda mais quando ele vem de Kelvin.

O silêncio de seu marido é um sinal de alerta do quanto ele está irritado e magoado, Ramiro aprendeu com o passar dos anos.

Um Kelvin levemente irritado fica murmurando suas opiniões pela casa, mas não costuma ir longe o suficiente pra chateação entrar na cama deles.

Um Kelvin realmente irritado é aquele que grita, chora, faz todo um circo, mas acaba em seus braços à noite, descontando a raiva sentando nele com força.

E há este aqui, a versão mais leve do Kelvin que o deixou, o verdadeiramente magoado.

E não é falta de conhecimento sobre o comportamento do marido, porque ele sabe que Kelvin não está fazendo de propósito, não é um castigo, não é algo feito porque ele quer. Kelvin não o está punindo ao não falar com ele.

Porque Kelvin não é assim.

O tratamento do silêncio é algo sobre o qual eles nunca falaram, embora ambos soubessem muito bem como se sentiam e como isso acontecia.

FATE (outra vez)Onde histórias criam vida. Descubra agora