Esquerda, Direita, Cachorrinhos (Mileinaro, Elonxandre)

Bozo

Bolsonaro caiu numa armadilha fatal. Algum demônio, provavelmente um socialista, colocou Vontade Dividida pra tocar, há uma garrafa de cachaça ao alcance de suas mãos sobre o braço do sofá e Nestor está dormindo sobre suas pernas, de modo que Bolsonaro não pode fazer nada além de permanecer sentado, beber e aguentar o sofrimento (ou sofrência, como diz a petralhada do nordeste).

Ele consegue ouvir Lula no quarto ao lado falando sacanagem com Maduro no telefone, e é a coisa mais nojenta que ele já presenciou.

- Você foi um chico muy malo nessa eleição, companheiro Maduro. Eu vou ter que te punir.

Bolsonaro não sabe como foi se apaixonar por aquele traste. Deve ter sido sua fixação em ursos peludos, mas porra, ele merece coisa muito melhor que Lula. Bolsonaro começa a pensar: ele nunca tinha visto Milei pelado, mas se ele tinha tanto cabelo em cima, devia ter embaixo também...

Quando Lula reaparece na sala, os pensamentos de Bolsonaro já foram e voltaram da sarjeta. Talvez ele esteja mesmo apaixonado por aquele lindo argentino. Mesmo assim, é estranho estar sozinho numa sala junto com seu antigo amor: Janja tinha levado os outros convidados em um tour pelo Palácio da Alvorada, que Bolsonaro recusou sem parar para pensar que uma situação como essa poderia acontecer, e que ele seria forçado a confrontar seus sentimentos pelo petista mais uma vez.

- Fala mais baixo na próxima vez, nove dedos.

Lula tem a decência de ficar envergonhado.

- Você ouviu, companheiro?

- Agradeça que não tem mais ninguém aqui.

Parece que é só então que Lula percebe que estão sozinhos. Isso o deixa desconfortável, o que agrada muito a Bolsonaro: neste momento, ele só quer que Lula sofra.

- Desculpe se você ouviu alguma coisa... chocante.

- Não, eu não ligo. Só acho muito engraçado que você sempre diga que não quer ficar com fascistas e depois vá correndo pro Nicolás Maduro.

Lula respira fundo.

- Olha, Bolsonaro, eu menti pra você.

- Qual das vezes?

- Quando eu disse que não te queria porque você é fascista. Na verdade, eu não acho ruim que você seja violento e autoritário. Na verdade, eu acho bem sexy.

Bolsonaro fica chocado.

- A razão de eu ter terminado com você é porque você não saía de cima do muro.

- Eu sempre disse que te amava.

- Não é disso que eu estou falando, companheiro. É que a gente se pegava a noite toda, e no outro dia você fazia...

Lula faz arminhas com as mãos.

- ...e dizia que ia dar um "abraço hetero" no Paulo Guedes ou sei lá o quê. Todo mundo já sabia.

- Eu não tô te entendendo.

- Bolsonaro, você é viado! Eu queria tornar nossa relação pública, queria de verdade... mas não dá quando você tá sempre posando de machão.

Bolsonaro não sabe o que dizer. De repente, tudo faz muito mais sentido. Ele começa a gaguejar, tentando defender sua masculinidade.

- V-você também se faz de machão, com essa barba e... tirando foto com a mão suja de petróleo.

- Eu sou bear, Bolsonaro. É diferente.

Lula sai, os outros voltam, e Bolsonaro continua pensativo. Ele finalmente se sente em paz, e percebe o quanto precisava de uma última conversa com Lula, um acerto de contas para encerrar de vez a história deles.

Seus olhos buscam Milei e o encontram conversando animadamente com Musk, que parece um pouco nervoso. Em certo ponto da conversa, Moraes se aproxima, e toda a atenção de Musk vai imediatamente para ele. Milei olha para Bolsonaro, indica os dois com os olhos e faz um gesto obsceno, o que faz o ex-presidente quase chorar de rir.

- Não é só o foguete dele que dá ré - Milei brinca, vindo sentar-se ao lado de Bolsonaro.

- Eu não esperava.

- Eu, sim. Meu instinto nunca falha.

Bolsonaro toma coragem. Ele sabe agora o que sente, mas é difícil de expressar em palavras.

- Javi?

- Que foi, Jair?

Milei não consegue pronunciar o som de J do português, então o nome de Bolsonaro sai algo como "Xair". No começo da amizade dos dois, ele achou bem engraçado: agora, o sotaque faz seu pulso acelerar e sua boca ficar seca. Bolsonaro olha dentro daqueles olhos azuis e admite que estava com a vontade dividida, e por isso Milei se sentia um passarinho sem poder voar, mas isso tudo mudaria hoje.

- Do que carajos você está falando?

- Milionário e José Rico. Você nunca ouviu?

Milei faz que não com a cabeça.

- Tem alguma coisa que você queira me contar? - Milei pergunta, preocupado.

Bolsonaro respira fundo, mas ainda está nervoso, os ombros retesados, o olhar vacilante.

- Isso tudo não te assusta?

- Essa festa? Sim, provavelmente é a coisa mais horrível que aconteceu nesse país.

- Eu tô falando de... de nós. Você sabe.

Milei nem precisa pensar para responder.

- É claro que não. Nenhum outro presidente tem a vida sexual tão pública quanto a minha. Você já deve ter visto minhas entrevistas.

Bolsonaro tinha assistido uma ou duas entrevistas, entendendo tudo pela metade com seu portunhol capenga, e mesmo assim não conseguiu mais parar de pensar em como Milei devia ser romântico e intenso e imbroxável. Ele sente seu rosto queimar só com a lembrança, e Milei o encara com malícia.

- Agora não, Jair. Quando estivermos a sós.

- Para, Javi, eu tô falando sério. É tão estranho, eu não sou esse tipo de pessoa.

- Não existe só um tipo de... Você sabe.

Milei percebe que Bolsonaro tem dificuldade com as palavras exatas, por isso não as usa. Bolsonaro o adora ainda mais por isso.

- Nem sempre é um bigodudo e um careca; às vezes é um argentino de costeletas e um brasileiro de franjinha. O que importa é se gostar.

Milei toca o rosto de Bolsonaro com uma mão, coloca uma mecha de cabelo dele atrás da orelha e sorri; e, de repente, Bolsonaro percebe o quanto seus medos e inseguranças não são nada comparados ao carinho que sente por esse homem e que finalmente é correspondido.

- Eu gosto de você - ele diz, pela primeira vez com confiança.

- Eu também. Meu mito.

- Meu leão.

Eles se beijam apaixonadamente, para o desespero de todos os outros presentes na sala de estar do Alvorada.

- Javi...

- Que foi?

- Se nós dois somos incomíveis... como a gente vai fazer?

Alexandre de Moraes solta um longo suspiro e vai tomar um ar. Nestor esconde a cabeça entre as patas, envergonhado.

- Confie no poder do amor - diz Milei, romântico.

Bolsonaro concorda. Isso é uma preocupação para outro dia.