Capítulo 1

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Respiro fundo, prendo a respiração por quatro segundos e solto o ar pela boca durante seis segundos. Repito o mesmo processo várias e várias vezes antes de pegar mais algumas folhas de hortelã e começar a mastigá-las.

Estou muito nervosa? Claro que estou!

Brinco com os meus pés e analiso a sapatilha vermelha sangue e a meia canelada branca, um pouco encardida, enquanto ouço os nomes de muitos candidatos serem chamados em ordem alfabética.

Tudo aqui parece ser efetuado de maneira perfeita. Não haveria qualquer incidência de erros… Bem, assim estava escrito nas descrições do site da Star Huggies, exatamente em itálico e negrito, utilizando uma fonte bem sofisticada, no tamanho vinte, acima de todo o texto assustador que eles tiveram a maldade de disponibilizar.

Quem eu estou querendo enganar? Céus, eu estou participando de uma das entrevistas mais aguardadas da história de todo o Oregon! Sim, é isso mesmo. Trabalhar com Colton Constantino certamente não é pouca coisa. Ele é um dos maiores nomes da literatura americana, sem contar a sua facilidade em persuadir até mesmo o prefeito, por deixar inaugurar uma das maiores bibliotecas que esse estado já viu. Além de escrever gêneros como terror, romance e, o melhor deles, fantasia, Colton consegue misturar tudo em um único livro. E que livro…! O maior de todos os tempos… Simplesmente, ele publicou: Sociedade - A Expansão Vital, volume 2.

Na verdade, a vaga à qual estou concorrendo é para ser sua secretária pessoal. Um sonho distante, que agora não é tão distante assim.

Grace Garner? — a mulher de óculos quadrados e de grau bem alto pergunta, nada amigável, sem ao menos olhar nos meus olhos.

Sinto que estou perto de ter um colapso nervoso.

— Sim, senhor… Quer dizer…! Senhora! — Corrijo rapidamente as minhas palavras, ajeitando a postura, quando ela força o pescoço avante e analisa até mesmo a minha alma. — Me desculpe por isso.

A mulher umedece as pontas de seus dedos na própria saliva e passa mais algumas páginas, agora, sem tirar os olhos do meu rosto.

— É formada em quê? — questiona, sem delongas, e a voz arranhada e meio estridente me deixou convencida de que havia cometido uma tremenda merda.

— Sou formada em administração pública, pedagogia e tranquei o curso de letras. — respondo, orgulhosa de mim mesma, mas encolho os ombros, em defensiva, quando noto que a minha entrevistadora não sentia a mesma vibração. Então, continuo, só que dessa vez, bem baixinho. — E também fiz alguns cursinhos de teatro e jardinagem.

— Você quer mesmo ser secretária? — ela pergunta, curiosa, e os seus olhos esbugalhados passearam pelo meu corpo. — Porque você não possui perfil para isso… e não me refiro ao seu currículo, Grace Garner.

Por um instante, aquilo me atingiu de uma maneira significativa. Ela não estava apenas me avaliando, mas também me desvalorizando.

Eu realmente tenho um currículo bom, com boa formação, no entanto, não tenho experiências louváveis em nenhum dos ramos em que escolhi. Fiz alguns estágios e outros, mas nada que durasse um ano. Um desastre total, e era isso que me assombrava. O terror das minhas entrevistas… ser colocada abaixo de zero.

— Se isso quer dizer ficar ao lado de um dos renomados nomes da literatura… — eu começo a admitir, porque era a verdade. Um dos motivos de aceitar algo tão surreal quanto vir fazer uma entrevista desse nível, apesar de ser para um cargo teoricamente “possível” na minha situação, é que Colton Constantino poderia mudar totalmente o quadro da minha fracassada tentativa de crescer no mundo profissional. — Eu aceito ser secretária. Não é vergonhoso, até porque, não é todo dia que o senhor Constantino divulga algo assim.

Eu nunca arranjei um emprego. Isso piorou depois que finalizei os meus estudos, porque daí para frente, a minha família fez questão de deixar mais explícita a sua opinião quanto a mim, a qual, infelizmente, a decepção me acompanhava quase todos os dias.

— Sua mulher burra. — sussurro, baixinho, encarando o chão.

Chego em casa meia hora depois.

As minhas meias estão encharcadas devido a chuva, que havia se intensificado assim que deixei o transporte público.

— Não levou guarda-chuva, Grace? — meu pai grita lá da sala, irônico.

Eu observo a quantidade de latas de cerveja largadas em cima da pia.

Suspirei, desanimada.

— Já sei, você não passou. — Ele gargalha. — Novidade…

Respiro fundo, e abro a geladeira, em busca de algo bem doce.

— Eu já sabia. — Minha mãe rende o assunto, e passa por mim, mas não deixa de resmungar o quanto as minhas sapatilhas molhadas deixaram o chão amarelado sujo de barro. — Que coisa! Você sempre dá um jeito de bagunçar o que já arrumei!

Reviro os olhos, e começo a subir as escadas.

Eu me jogo na cama, e as lágrimas descem pela minha face.

— Céus, que frustração. — sussurrei, e a vontade de chorar aumenta gradativamente.

Choro, baixinho. Não quero que me ouçam, apesar disso não fazer a menor diferença para eles. É mais questão de orgulho.

Os meus pais não acreditam em mim… Na verdade, todo mundo deixou de acreditar há muito tempo atrás, desde os meus dezessete anos. Eu tento me manter firme, dizendo que nada disso seria o bastante para me abalar e que eu continuaria tentando, independente de qualquer circunstâncias; porém, ao ser enxotada para fora de todos os lugares por onde pisei, eu comecei a refletir sobre orgulho e dignidade um milhão de vezes.

O meu telefone vibra. Deslizo o meu corpo para o lado do criado mudo, e leio o nome pelo visor do telefone.

— Wal, eu não estou bem hoje. — me esforço para dizer essas palavras, sentindo a angústia esmagando-me por dentro. — Posso dizer que estou prestes a mergulhar nas profundezas da depressão. Parece que absorvi toda a tristeza do mundo em apenas um dia.

— Nossa, isso que dá ficar com a cara dentro desses livros sem graça! Quanta melancolia, mulher! — ela expressa, e tenho certeza que Walkiria deve estar se contorcendo toda agora. — Eu sei que você não passou na entrevista, não precisa me dizer, porém, não se desanime, porque eu arranjei mais uma outra para você.

Reviro os olhos, e eu desabo em minha cama de novo.

— Você mesmo sabe! Eu nunca consigo. Não adianta o quanto eu tente. — falo, ansiosa, e chorando. — Parece uma maldição! A minha vida é um grande poço de melancolia, eu admito!

Escutei Walkiria bufar, impacientemente.

— Fala sério! Eu mesmo me garanto dessa vez, porque o cara me deve uma. — disse, sorrindo convencida através da linha. — Me deve muito mesmo! Então, eu disse que aceitaria as suas desculpas se ele contratasse uma mulher super útil, igual a você, já que uma das minhas colegas de trabalho me disseram que ele estava precisando de alguém.

— E por que não pediu dinheiro, ao invés disso? — pergunto, desconfiada, e isso seria o mais óbvio vindo dela.

— Quem pensa que eu sou? Algum tipo de maluca sem coração? — Solto uma gargalhada, e Walkiria me acompanha, e reparo só agora que parei de chorar. — Eu escolhi ajudar minha melhor amiga, já que ela estava prestes a se internar em uma clínica psiquiátrica.

— Isso é verdade. — Ajeitei a posição, e apoio a perna em cima do joelho da outra. — E do que se trata?

— Não sei bem. Mas, me disseram que ele é professor universitário. Talvez, queira algum tutor para a filha, porque eu soube que ele tem uma.

Franzo a testa, meio preocupada.

Por que um professor universitário iria querer qualquer um para dar aulas de tutoria para sua única filha, por ele conhecer bastante profissionais competentes, já que está inserido no ramo? Porém, se eu posso atuar nesta área, do que estou temendo?

— Eu topo. — digo, automaticamente, revirando mais uma vez no colchão.

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