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Harper ajeitou o crachá enquanto olhava a cliente à sua frente

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Harper ajeitou o crachá enquanto olhava a cliente à sua frente. Ela já sabia o que estava por vir — indecisão e um pedido de ajuda. Com um sorriso tão praticado que nem parecia mais falso, ergueu as sobrancelhas e decidiu atender a cliente.

— Seja bem vindo a Sephora, poderia ajudar você com algo específico hoje? — perguntou, esperando que não fosse mais um teste de base de 20 minutos naquela luz fodida que certamente faria ela errar e receber uma avaliação negativa.

A mulher, uma senhora de meia-idade com olhos curiosos, segurava um pequeno tubo de gloss.

— Esse gloss aqui... ele realmente deixa os lábios maiores?

Harper reprimiu um suspiro. Ah, claro, o famoso gloss de "efeito plump". Ela pegou o produto com a mesma energia de alguém vendendo o último milagre do mercado.

— Olha, ele faz, sim! Ele tem um leve formigamento, que é basicamente a magia acontecendo. Em cinco minutinhos, você vai sentir seus lábios mais volumosos e hidratados, quase um preenchimento labial. To usando hoje inclusive, olha o tamanho dos meus lábios. — ela mentiu com uma firmeza convincente. — E se não gostar, sempre dá pra combinar com aquele batom nude que você comprou na última vez.

— Você lembra do meu batom? — A mulher piscou, surpresa.

— Claro, sua cor era Bege Poeira. Ficou ótimo em você. — Harper sorriu, satisfeita.

A cliente riu, um pouco mais convencida, e jogou o gloss na cestinha.

— Tá bom, você me convenceu. Vou levar.

Harper a conduziu até o caixa, enquanto tentava não demonstrar o tédio acumulado de um dia inteiro de trabalho. A gerente, observando tudo de longe, acenou.

— Mais uma venda, Harper, você é demais! Quer tirar seu intervalo agora?

Ela mal esperou a cliente sair antes de disparar em direção à praça de alimentação. Harper pegou um lugar no canto mais afastado, tirou o celular e suspirou. Com 25 anos, formada em Literatura Inglesa, sua carreira dos sonhos estava enterrada sob montes de blush, perfumes, paletas de sombra e promessas de uma pele perfeita. A realidade era um pouco menos glamourosa do que esperava ao sair da faculdade.

Entre uma mordida num sanduíche e outra, Harper abriu o LinkedIn e começou sua rotina diária: se candidatar a qualquer vaga que aparecesse. Estava começando a parecer um reflexo automático. Auxiliar disso, Auxiliar daquilo... Auxiliar de qualquer coisa que me tire daqui.

Ela quase passou batido por uma vaga. Uma empresa confidencial estava procurando urgentemente um Copidesque. Harper parou. Copidesque? Tipo... ser revisora editorial? Era muito mais do que ela costumava buscar. Normalmente, ficava nas funções mais básicas, assistente, auxiliar de revisão. Mas hoje, talvez por uma dose extra de café ou pela ideia de tentar algo mais ousado, decidiu arriscar.

Preencheu o formulário, anexou seu currículo e, numa onda de audácia, uma carta de apresentação que fazia parecer que ela já estava pronta para qualquer coisa. O que poderia dar errado?

Antes mesmo de terminar seu almoço, o celular vibrou com uma notificação. Quando Harper olhou, seu coração quase parou: a empresa havia respondido. Não era um robô, não era uma mensagem pronta daquelas incompletas ou com nome do candidato escrito errado, era realmente uma pessoa. Queriam saber quais horários ela tinha disponível para uma entrevista.

Ela riu de surpresa, com um brilho nos olhos que há muito não aparecia. Ela tava acostumada com respostas automáticas sinalizando que sua candidatura havia sido recebida, mas um e-mail de uma pessoa real era um campo novo.

Harper leu o e-mail de Mia Harper, assistente pessoal do diretor de artes de uma editora, pela terceira vez, só para ter certeza de que não estava sonhando. Um sorriso se formou no rosto, e ela rapidamente digitou sua resposta, sugerindo o horário de almoço do dia seguinte para a entrevista por vídeo chamada. A empolgação crescia dentro dela como uma uma planta bem cuidada num vaso pequeno demais.

Ela ficou olhando para a tela do celular por um segundo a mais, se permitindo aquele momento de felicidade. Finalmente, uma chance real de mudar de vida, uma oportunidade que poderia tirá-la daquele trabalho que ela já estava detestando. Harper guardou o celular na bolsa e se levantou. O intervalo estava acabando, e ela tinha que voltar para a loja. A adrenalina de ter lido aquele e-mail ainda tinha efeito nela enquanto caminhava de volta para o ambiente familiar e um tanto caótico.

Assim que entrou na loja, o som de risadinhas infantis chamou sua atenção. Ela avistou, na frente de uma das prateleiras de produtos anti-idade, um grupo de crianças testando séruns e cremes caros, passando os testers nos rostinhos infantis como se estivessem brincando com massinha de modelar.

Harper suspirou profundamente, já imaginando o desastre que teria que arrumar depois. Uma delas, uma garotinha com os cabelos presos em dois coques, derrubou diversos produtos da prateleira enquanto passava eles no rosto.

Isso foi o suficiente para Harper perder completamente o restinho de paciência que tinha. Era como se aquele momento fosse a confirmação que ela precisava. Harper respirou fundo, endireitou a postura e caminhou direto até a gerente, que estava organizando algumas prateleiras perto do caixa.

Sem pensar duas vezes, Harper tirou o crachá, estendeu a mão com o cartão e, com um sorriso decidido no rosto, disse:

— Amiga, eu me demito.

A gerente parou, incrédula, olhando para Harper e depois para o grupo de crianças.

— O quê? — A voz dela soou quase tão confusa quanto as crianças brincando com os cremes anti-idade.

Harper apenas deu de ombros, ainda sorrindo.

— Eu não aguento mais isso... — Ela assumiu para a gerente enquanto apontava para as crianças, sentindo uma onda de alívio tomar conta dela.

Com isso, Harper virou-se e, em um último ato dramático, saiu pela porta da loja com a sensação de que algo grande estava por vir. Se a sensação era real ou só um delírio pós adrenalina do e-mail, ela teria que esperar para descobrir.

Inimigos de Longa DataOnde histórias criam vida. Descubra agora