Victorious corre pela planície verdejante, e estala a língua ao perceber que o sol faz brilhar muito mais a grama do que sua espada. Ele então a guarda na bainha. Fazia tempo que estava preocupado com a possibilidade de tropeçar com ela na mão, então tanto faz!
— Há! — ele grita, tranquilizado por saber que não há ninguém para ouvi-lo. — Imagina só! O grande matador de demônios morto pela própria espada!
Sim, faz dois dias que ele corre sem parar, limitando o próprio descanso a algumas paradas aqui e ali, seja sob os galhos das árvores ou se enfiando numa gruta qualquer; e por mais que o jovem guerreiro fantasiasse consigo sendo acordado por camponesas, que estariam preocupadas com a desidratação de seu corpo, o que quase sempre sucedia era ele ser acordado por orcs ou gnomos da floresta. Na pior das hipóteses, era roubado; na melhor, matava todos eles.
— Meu caderno! — ele estaca, apalpando a própria armadura.
Suspira quando finalmente encontra o pequeno caderno de couro, guardado no mesmo bolso de sempre. A grande vantagem em ser um cavaleiro solitário é não ter de dividir o reconhecimento por seus feitos com mais ninguém; enquanto o problema, por outro lado, é não ter ninguém por perto para ver tais feitos acontecendo. De forma que, sempre que passava por um vilarejo, onde contava para todos o que fizera nos últimos dias, sempre haviam desgraçados para gritar palavras como "É tudo mentira!", fossem eles bêbados ou crianças malcriadas.
— Eles vão ver! — diz Victorious, mais uma vez olhando para o desenho de si mesmo matando o Rei Demônio Bargarioth — Eles vão ver só quando eu for rico e famoso!
Após mais alguns minutos correndo, Victorious enfim chega ao alto de uma colina, e olhando para baixo, vê o tão temido Vale das Mãos Queimadas. Como esperado, não tem nada além de grama bem nutrida e corpos humanos; alguns tão antigos que se limitam a ossos, e outros tão recentes que parecem dormir.O jovem guerreiro sabe bem o porquê de o vale ter esse nome.
— Seu nome era Gregor, o Jardineiro — dissera seu mestre, certa vez. — Ele era um homem ranzinza que se importava apenas com seu jardim, e cuidar das plantas era o único ofício que suas mãos empregavam. Até que, certo dia, testemunhando como mercenários passavam os archotes em suas plantas, Gregor atirou-se em meio as chamas, e seu espírito ficou preso à terra.
O mestre voltou-se para Victorious, que ria sem parar de história tão idiota.
— Então, é isso? — ele perguntou. — Agora aquele velho usa mãos fantasmas para matar todos que pisam na droga do seu gramado?
Descendo a colina aos saltos, o bravo guerreiro permanece um bom tempo admirando a vista. Leva a mão por baixo do visor do elmo, e seca as lágrimas. Ele gostaria que seu mestre estivesse ali para vê-lo. Na verdade, gostaria mais ainda que ele tivesse vivido o bastante para assisti-lo derrotar Bargarioth, o Rei Demônio. Mas tudo bem. Victorious saca uma bolsa das costas e, quando a abre, não pode se impedir de olhar para o
céu e sussurrar.— Isso é por você, mestre! — diz no mesmo instante em que atira inúmeras pedras para
todos os lados, em seguida sentindo um tremor inequívoco sob seus pés, indo em direção às pedras arremessadas.Como uma onda que vai surgindo das profundezas e alcançando a altura de três metros,
inúmeras mãos realmente queimadas surgem do solo e avançam como uma onda descomunal, esmagando as pedras aos socos. Aproveitando a deixa, Victorious corre o mais rápido que
pode, e as mãos percebem tarde demais a sua presença.Foi após saltar sobre uma enorme rocha no chão que o guerreiro pôde descansar por alguns
minutos, os quais aproveitaria para pôr seus exercícios em dia.

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O cavaleiro e a Feiticeira Sofia
FantasyIndo atrás da lendária Caixa de Maracatu, que o deixará rico e famoso, o intrépido cavaleiro Victorious acaba encontrando uma companheira de viagem muito fofa e esquisita.