Capítulo 1: Eu vim do interior

9 1 0
                                    


Havia muitas teorias sobre 2012 ser um ano apocalíptico, em que o mundo iria acabar. Talvez seja simbólico ser justamente o ano em que a minha vida como Joãozinho de Américo Brasiliense ganhe uma pausa. A partir de hoje quero ser apenas Jota, um jovem do interior pronto para novas aventuras na imensa São Paulo.

Meus pais me trouxeram até a rodoviária, mas antes de entrar no carro, ainda no chão de terra e cercado pelo verde infinito com pássaros cantarolando, eu me senti como a Hannah Montana. Mas será que um dia vou conseguir viver o melhor dos dois mundos? Manter minhas raízes, sem me tornar esnobe, e construir uma vida para chamar de minha, com conquistas tão grandes como os arranha-céus da grande metrópole? Sei lá.

Parte de mim teme o fracasso, e que a imagem que vou construir acabe sendo de um homem depressivo e tímido demais para revelar meus talentos. Mas outra parte também me faz querer uivar como um lobo, e me conectar com uma alcateia que possa preencher o Allianz Parque, em um uníssono de sentimentos e identificação.

Na minha cidade natal, eu sempre acabei chamando a atenção pelos motivos errados. Na verdade, diria que pelos motivos certos, mas sob olhares errados. Eu sou inquieto e perfeccionista por natureza. Gosto de criar e de me sentir em movimento. O estático não me preenche, e manter os pés no chão me soa obediente demais. Eu quero voar! Ainda tem tanto desse mundo que eu não aprendi e que eu não sei. Quero atear fogo e compartilhar faíscas de adrenalina por onde passar. Não vou me enquadrar ao senso comum, mesmo que me chamem de louco. Não vou calar a voz do meu coração, mesmo que precise me reconstruir de corações partidos. Não serei coadjuvante na história de ninguém, eu quero ser protagonista! Mesmo que, em alguns casos, isso me torne um anti-herói.

   — Vai com Deus, meu filho. Se cuida, e juízo! — Minha mãe se despede com os olhos marejados.

Entro no ônibus com os olhos cheios de lágrimas, um misto de emoções me golpeia. Meus olhos vermelhos encaram através da janela quem eu fui até agora, e refletem todos os meus sonhos futuros. Bate o medo, as inseguranças apertam o meu peito. Será que eu vou morrer sozinho? Tudo bem me sentir um lobo solitário durante o percurso, mas de quanto tempo estamos falando?

Às vezes, me sinto ingênuo demais por acreditar que mudar de cidade vai me transformar como pessoa. Como se minha personalidade e minha essência pudessem se moldar tão facilmente ao ambiente que me cerca. Será que eu realmente mudarei, ou me pegarei certo dia me encarando no espelho e não me reconhecendo? Temo por criar um rastro de mentiras e decepções que irão me assombrar até o fim dos meus dias. Daqui a alguns anos, qual vai ser a semelhança entre Joãozinho e Jota?

Sair debaixo das asas dos nossos pais, ou daqueles que nos protegem e transmitem segurança, é um ato de coragem, mas também de necessidade. Chega uma hora que precisamos romper com o cordão umbilical mais difícil, aquele que nos conecta ao que chamamos de lar. Não é apenas deixar de morar com os familiares, é um passo muito maior. Eu me sinto rompendo com a minha infância, com o Joãozinho que todos que me conhecem em Américo Brasiliense podem opinar.

É como se eu fosse me tornar uma página em branco, um completo desconhecido em SP. E, daqui para frente, só as minhas próprias ações vão me descrever. Tudo que acontece a partir de agora será escrito por mim. Calma. Acho que estou sendo muito autocentrado. Tudo bem que meus pais não vão mais conduzir as apresentações de quem eu sou, mas a verdade é que sempre vão ter olhares me julgando e tentando me descrever, me encaixar em alguma bio rasa de 140 caracteres. Preciso fazer um juramento comigo mesmo.

Hoje, no temido ano de 2012, eu começo a minha redescoberta como Jota morando em São Paulo. Vou me dedicar na faculdade, mas também encontrar tempo para projetos pessoais. Vou deixar a timidez de lado e flertar com meninos e meninas, sem permitir que rótulos homofóbicos me definam. Vou me abrir a novos estilos, conhecer novas possibilidades de looks, escutar diferentes gêneros musicais, pintar o cabelo se me der vontade. Eu vou me permitir errar e acertar. Quero amadurecer com arrependimentos por ter sido intenso, e não por ter deixado o medo me vencer. 

2012. Este é o ano em que eu estou saindo da minha cidade natal, onde todo mundo se conhece, para conhecer todo o mundo. Deixando de lado as minhas prisões, inseguranças e o Joãozinho acanhado e calado que eu fui até hoje. Vou ser livre! Lutar contra construções sociais que só nos menosprezam. Eu sou um bom rapaz, mas sinto desejos pecaminosos loucos para serem libertados. Pilantra, eu não sei, mas eu não sou santo não!

É, 2012 poderia ter sido o fim do mundo, mas vai ser o começo do meu alinhamento milenar. Você não acha?

-----------

Acompanhe outros contos no meu perfil, e no YouTube. Até o próximo capítulo!


Meninos e Meninas: Jão em 'Histórias de uma Playlist'Onde histórias criam vida. Descubra agora