Capítulo 3: Meninos e Meninas

4 1 0
                                    


Chego algumas horas após o horário inicial da festa. Mas, surpreendentemente, para muitas pessoas, já está parecendo com o fim. A caixa de som explode "Exagerado" fazendo o chão tremer. Copos e garrafas encontram-se espalhados por todos os cantos. Procuro Ana para cumprimentá-la, mas encontro um par de olhos vermelhos já conhecido.

 — Olha só quem apareceu, o Jota de publi! — Sté diz antes de me abraçar e me dar um beijo na bochecha. — É bom te ver de novo.

Vamos lá. Vou deixar você imaginar a Sté. Ela cursa cinema, se não me falha a memória. O que parece ser confirmado por seu cropped customizado com o nome "Hitchcock" estampado e envolto a pássaros, talvez, corvos. O preto e o loiro coexistem harmonicamente nas cores do seu cabelo curto. Uma saia de couro preta destaca suas curvas, e um cinto com tachas prateadas remete ao seu estilo roqueira, finalizando com um coturno e um piercing no septo. Seu batom já se perdeu pela noite. Mas quando nos conhecemos, eu fui o responsável por tirá-lo de sua boca.

— Quanto tempo, Sté! Fiquei sabendo que o seu status de relacionamento te afastou das calouradas... — Jogo um blefe.

— Eu tentei ser careta, mas por que não compartilhar o amor com mais pessoas? Nós somos livres, Jota, então eu prefiro dividir para multiplicar. — Ela fala, momentos antes de derramar o líquido da garrafa que está em suas mãos, em minha boca.

Meninos mexem com o meu coração, mas como resistir à sensualidade das meninas? Estou sóbrio demais para tomar uma iniciativa, mas Sté, não. Ela me lambe. Pescoço e cantos da boca. Apagando os vestígios de álcool que escorriam.

— Aproveita a festa, gatinho. Se pá, a gente se esbarra de novo. — Ela some, da mesma forma que apareceu.

Eu encontro, então, alguns conhecidos e Ana, a anfitriã desta noite que promete tempos de glória! Procuro um banheiro disponível, mas todos parecem superlotados. Experimento um doce, compartilho uns tragos, encho e esvazio copos. Minha jaqueta já se foi, apenas minha regata branca, molhada de suor, será minha testemunha.

Olho sem direção certa no momento exato em que um par de olhos azuis me fuzila bem a cara. No canto da sala, mordiscando um copo de bebida, enquanto sorri de canto de boca. Um sorriso safado, mas meio sem jeito. Ele me olha com tamanha intimidade que me questiono se já nos conhecemos. Mas não, eu me lembraria. A música é interrompida e Ana começa a gritar, pedindo um minuto de atenção. Dirigimos nosso foco a ela, o máximo que calouros embriagados conseguem, pelo menos.

 — Ow, sério mesmo... Quero agradecer todo mundo que tá aqui... quem já me atura há anos, desde a escola... o pessoal que a facul me presenteou este ano... Juro, cês são fodas. Obrigada por tudo. E é graças a geral que tá aqui, que 2013 foi um ano e tanto! — Ana entrega o seu discurso e é aplaudida.

Alguns meninos se aproximam dela para levantá-la e eu decido que é hora de me afastar. Encontro uma garrafa no caminho e a sequestro para mim. Retorno à sala, em busca dos olhos que me fuzilaram, mas encontro Sté. Ela está bem no meio do cômodo, e é como se as luzes estivessem direcionadas para ela. Como um verdadeiro holofote. Meus pés me guiam até a sua direção, eu me sinto hipnotizado.

Véi, essa garrafa tá com cara de que vai te causar problemas. Mas relaxa que não vai morrer sozinho. — Sté pega a garrafa da minha mão e sussurra no meu ouvido a última frase. Ela está quase virando um gole, quando eu a interrompo.

— Calma aí, que agora é a minha vez de batizar você. — Eu viro o líquido na sua boca, tentando tomar cuidado para não derramar muito. Mas aproveito o que acaba escapando para retribuir as lambidas. — Bem que você falou que dividir é uma boa. Saliva também conta, né? — Um beijo molhado parte de ambas as partes.

— Falando em dividir, multiplicar e trocar saliva... Deixa eu te apresentar o Fê. — Ela sabe exatamente para onde olhar. E lá está ele, com o mesmo sorriso safado, talvez ainda mais amplificado.

O boy do canto da sala se aproxima, e com as luzes, a música e as pessoas se deslocando, parece uma cena em câmera lenta de um filme juvenil, onde o protagonista virgem está prestes a ser notado pelo crush. Só que eu não sou virgem, e a vergonha já foi embora assim que a coragem líquida tomou conta do meu corpo. Esse momento só poderia acontecer através de um alinhamento cósmico mesmo!

— E aí, meo, tava curioso pra conhecer o famoso Jota. A Sté só me falou coisas boas de você. — Fê fala ao pé do meu ouvido, encostando sua boca no lóbulo da minha orelha, e exalando o seu perfume amadeirado ao alcance do meu olfato.

— Eu tô louquinho, ou tá rolando o que eu tô achando que tá rolando? — Busco uma aprovação de que não estou delirando.

 — Bora aumentar a ressaca moral de amanhã? — Sté sugere, alternando seu olhar entre nós dois, e estendendo suas mãos, cada uma puxando um de nós.

Permitimos, então, que nossos corpos acompanhem seus passos, seja o destino qual for. Estamos andando os três em fila, de mãos dadas. Sté segue até a porta de um quarto, onde se agacha e pega uma chave escondida. Não sabia que ela e Ana eram tão próximas assim. Ao abrir a porta, ela dá as costas ao escuro e estende seu braço esquerdo, movimentando o dedo indicador em forma de convite para entrarmos. Fê dá os primeiros passos, e me puxa pela correntinha em meu pescoço.

— Relaxa que a gente não morde... forte. — Ele me seduz.

Meu cérebro certamente está em combustão, mas nenhuma mensagem que recebo emite perigo. Pelo contrário, eu quero me perder, incendiar. E sei que meu coração é grande e cabem meninos e meninas.

A claridade fica por conta da janela aberta. Mas logo Sté acende um isqueiro, enquanto Fê realiza um ritual de lamber, enrolar, apertar e acender. Conversamos sobre os assuntos mais aleatórios possíveis. Conhecidos em comum. Professores. Flertes. Sonhos. Filmes. Tudo nos faz sorrir. Eu estou rindo alto, assim como eles. E o mundo inteiro é este quarto escuro, onde seis olhos vermelhos compartilham seus sentimentos e sentem-se mutualmente acolhidos.

Existe beleza no clarão, e também na escuridão. Agora, deixamos de lado a visão e nos entregamos aos outros quatro sentidos: tato, paladar, olfato e audição. A sinestesia é o clímax da noite, e em momentos como esse eu me pego imaginando: 'O que o Joãozinho diria?'. Mas é o Jota quem sussurra internamente: 'Desculpa, Mãe, mas eu nunca fui santo. 2013 realmente foi um ano e tanto!'.

----------

Acompanhe outros contos no meu perfil, e no YouTube. Até a próxima história!

Meninos e Meninas: Jão em 'Histórias de uma Playlist'Onde histórias criam vida. Descubra agora