Capítulo 1

25 6 121
                                    

O telefone ficou mudo novamente e por um instante meu estomago congelou. O tilintar das panelas ao fundo deu vazão as minhas ideias e pude elencar uma série de justificativas para os grunhidos e rangidos que se seguiram; uma queda com a panela vazia, ou ela apenas derramou toda a comida no chão e se machucou, ou ela abriu a porta daquela ilha desorganizada como sempre e, mais uma vez, foi vítima de sua própria armadilha. Em todo caso, era implícito que o responsável era sua completa falta de destreza. Estiquei minhas pernas sobre o sofá branco da minha sala, o sol que batia através da janela articulada que ia do chão ao teto por toda a extensão da minha sala fez com que eu pudesse ver com clareza a cozinha vazia ao longe. A mesa de jantar à frente da ilha da cozinha tinha apenas um prato branco de porcelana, talheres e um copo de vidro vazio esperando por mim.

­— Lena?! Helena! — Aumentei o tom de voz à medida que era ignorada.

— Eeeh, calma, tô viva!

— Não tenho tanta certeza, você derramou tudo?!

— Não né, eu não sou tão burra assim Miranda! — Ela riu.

— Ah, vai saber, depois do Peter eu não espero mais nada de você...

Ouço a panela bater contra a bancada pelo outro lado da linha, pude imaginar até mesmo sua expressão de indignação culposa enquanto batia seus objetos descarregando na cozinha os socos que provavelmente me daria se estivéssemos juntas.

— Eu queria que estivesse aqui, tornaria meu dia mais fácil... — Resmunguei diminuindo o tom de voz.

— Eu também amiga, mas não fica assim, logo logo eu vou ai te visitar e levo o vaso pra você... — Ouço o ruído da comida dourando — Já pensou no restante da decoração? Se você quiser os quadros que comentei antes podemos...

— Na verdade, eu estou pensando em comprar uns quadros de plantas normais...

— Miranda, não! Não como assim?

— Ah, pensa, é muito menos trabalhoso e é mais bonito — Justifiquei perdendo a força no tom da voz a medida que minha confiança se esvazia.

— Vamo lá, você é tão linda, talentosa, vai ficar enchendo sua casa com a decoração da sua mãe?!

— Não é da minha mãe...

— É sim, é a cara dela isso e você... olha, por que não coloca quadros seus? Fotos, pinturas, sei lá, isso ta tão em moda hoje em dia.

Ouço água sendo derramada sobre o óleo fervente, aquele ruído e borbulhar de algo sendo cheio em ebulição. Meu estomago roncou e ajustei minha postura no sofá, encarando meus dedos enquanto tentava organizar minhas ideias.

— Hmm... não é uma ideia ruim

— Claro que não, e o melhor! Você podia fazer com aquele pintor lindíssimo que fez da última vez! Nossa, eu daria tudo pra ser uma mosquinha naquela sessão com você.

— Lena! — ri desconcertada.

— O que? É sério eu... AI!

— O que houve? — Encarei a tela do meu telefone imediatamente esquecendo que estávamos apenas em uma chamada de voz.

— Nada, queimei meu dedo...

A risada com ela era fácil e senti minhas bochechas doerem a medida que o riso se dissipava.

— Não é à toa que ele ficava enciumado não concorda?

— Era à toa sim, ele era maluco! Eu jamais tive olhos pra outro homem, como ele pode se incomodar com aquilo, nunca que eu me envolveria com o Soren, nós estávamos noivos!

Traços de Escarlate (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora