O sol começava a se esconder atrás das montanhas escuras no horizonte, tingindo o céu de laranja e vermelho, enquanto a fazenda permanecia envolta em um silêncio reconfortante. No planeta Kepler-07c, um mundo cuidadosamente preservado e afastado das redes intergalácticas, as noites caíam com uma tranquilidade profunda, onde os sons da natureza e o vento cortando as planícies eram quase tudo o que se ouvia. Kepler-07c era um dos planetas de conservação, feito para abrigar toda fauna e flora restante da Terra, uma joia rara no universo, onde ecossistemas inteiros eram protegidos da destruição desenfreada do ser humano. Apesar dos constantes conflitos em sistemas vizinhos, a vida ali era uma espécie de refúgio onde a guerra ainda não havia chegado — até agora.
A casa de Sora era simples, construída em materiais locais, cercada por vastos campos e vegetação baixa que se estendia até onde os olhos podiam ver. As janelas tinham vigas reforçadas, marcas da preocupação de seu pai, que sempre insistia na importância de estarem prontos para qualquer situação. A casa estava repleta de traços de uma vida humilde, com móveis artesanais e paredes decoradas com fotografias antigas e pinturas de paisagens de Kepler-07c. A casa representava um símbolo de resistência e simplicidade em meio a um universo de avanços incessantes, onde a paz e o equilíbrio ainda eram possíveis — pelo menos era o que Sora sempre acreditara.
Desde muito jovem, Sora aprenderá a apreciar essa paz. Suas manhãs começavam ao som dos pássaros de plumagem vibrante que migravam para as terras de sua fazenda durante a primavera, e as tardes eram passadas ao lado de sua irmãzinha Angeline, colhendo frutas ou ajudando a cuidar dos animais. A família vivia quase isolada, distante dos centros urbanos que eram poucos e restritos em Kepler. Esse isolamento, que antes significava paz, agora parecia uma vulnerabilidade, uma exposição silenciosa a algo muito maior e ameaçador. Ela sabia que as explosões e os tremores de terra que sentia à distância estavam ligados a uma guerra que se aproximava, mas seu pai jamais lhe contava os detalhes. Ele acreditava que ela não precisava saber que seu papel era proteger a família, enquanto ela apenas vivia.
Naquele crepúsculo, Sora segurava sua katana com firmeza, os dedos bem posicionados no cabo, como seu pai lhe ensinara. Ele estava ao seu lado, silencioso, observando-a com olhos atentos e profundos. O olhar dele parecia carregar o peso de uma vida de segredos e responsabilidades, algo que ele nunca havia dividido com ela. Para Sora, a katana era um enigma, uma arma ancestral que parecia desajustada em um mundo onde o avanço bélico preferia tecnologias modernas e armas de plasma. Mas seu pai a fazia treinar com essa espada quase todos os dias, como se ela carregasse uma importância que transcendia o próprio entendimento da jovem.
— Mais uma vez — ele instruiu, a voz grave cortando o silêncio do crepúsculo. — Lembre-se da base dos pés. Se você não está firme, tudo desmorona.
Ela assentiu e corrigiu sua postura, o corpo se ajustando aos movimentos fluidos que ele lhe mostrara tantas vezes. Cada golpe, cada bloqueio que executava trazia uma sensação de poder e controle, uma harmonia que fazia desaparecer por um breve instante a ansiedade que pairava no ar. Para Sora, esse treino diário era como um ritual, uma forma de ancorar-se à segurança da casa e do lar em meio às ameaças que vinham do céu.
Angeline, sua irmãzinha de apenas oito anos, estava sentada a beira do campo, observando com olhos grandes e curiosos. A pequena era um espírito livre, uma menina cheia de energia e sonhos, alheia às preocupações que pesavam sobre o pai e, agora, sobre Sora. Ao olhar para Angeline, ela sentia-se invadida por uma onda de ternura e responsabilidade, como se sua vida tivesse sido destinada a proteger a inocência da irmã.
Mas então, uma explosão cortou o céu, mais próxima e mais intensa do que todas as outras. O som reverberou pela fazenda, sacudindo as janelas e paralisando as três figuras ali. O brilho avermelhado da explosão refletia-se nos olhos da filha mais nova, que observava a cena em silêncio, como se o momento tivesse roubado sua capacidade de reagir. Sora olhou para o pai, que fixava o olhar no horizonte com uma expressão que mesclava preocupação e uma profunda tristeza.
— Entre, Angeline — disse ele.
Sua voz carregava uma autoridade rara, quase sombria. Era o tipo de comando que não permitia hesitação, e a menina mesmo assustada, obedeceu de imediato, correndo para segurança da casa sem olhar para trás.
Quando o silêncio voltou, Sora sentiu a atmosfera ao redor se tornar densa, quase sufocante. Seu pai olhou para ela novamente, com o mesmo olhar que sempre a intrigava — um olhar que parecia dizer tudo e nada ao mesmo tempo, carregando o peso de algo que ela ainda não compreendia.
— Prepare-se, Sora. Este mundo não é mais seguro como você pensa — ele sussurrou, suas palavras caindo pesadas sobre a garota. Havia algo ali que Sora não conseguia entender completamente, mas que parecia prenunciar algo maior, algo que a obrigaria a deixar para trás a inocência de sua vida pacífica na fazenda.
Enquanto o som distante das explosões voltava a ecoar, ela percebeu que sua infância, sua vida protegida e pacífica, estava prestes a ser arrancada dela. Algo estava chegando — uma mudança inevitável que varreria tudo o que conhecia e a colocaria em um caminho que nunca imaginara. Naquela noite, ao deitar-se, ela sentiu que o amanhã traria um peso desconhecido, uma responsabilidade para a qual talvez nunca estivesse totalmente preparada.