Um vazio que fica

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Com uma força que ela não sabia que tinha, ela atacou mais uma vez outro jarro na cabeça dele, o estilhaço de vidro ecoando pela garagem. Ele recuou, os cacos cortando seu rosto, e ela gritou, usando o momento de distração para empurrá-lo para longe dela. Os sussurros ficaram mais altos, uma cacofonia de dor e terror que a estimulou a agir.

Suas pernas tremeram enquanto ela se levantava, o mundo girando ao seu redor. O jarro estava no chão, o fluido escuro infiltrando-se no tecido de sua colcha. Ela cambaleou para trás, seus olhos nunca deixando o monstro que um dia foi seu pai. Ele limpou o sangue dos olhos, seu rosto uma máscara de fúria, e ela sabia que tinha que agir rápido. 

Seus olhos caíram na prateleira atrás dela, os potes de fluido turvo parecendo observá-la com uma intenção maliciosa. Os sussurros cresceram para um tom febril, e ela estendeu a mão, sua mão tremendo enquanto ela agarrava o pote mais próximo. Estava frio e escorregadio em suas mãos, mas ela não se importou.

 Quando ele se lançou sobre ela, ela jogou o jarro com toda a força. Ele se espatifou contra a parede, o fluido espirrando pela sala como uma chuva escura. Os sussurros cresceram para um grito, e a sala pareceu ganhar vida com sombras. Por um momento, ela viu os fantasmas de crianças, suas mãos transparentes se estendendo da escuridão, seus olhos implorando.

A distração era tudo o que ela precisava. Ela correu para as escadas, seus pés descalços escorregando na bagunça pegajosa. Ela podia sentir a respiração quente do monstro em seu pescoço, seus passos pesados batendo como uma batida de tambor de perdição. Ela tinha que sair, tinha que contar a alguém sobre os segredos escondidos na casa.

 Sua mão encontrou a maçaneta, e ela a abriu, tropeçando na noite. O ar frio era um tapa na cara, um contraste gritante com o calor sufocante da garagem. Ela correu pelo gramado, seus pés descalços ardendo nas pedras e nas folhas afiadas da grama. Os sussurros a seguiram, um coro de desespero que ficava mais fraco à medida que ela se distanciava da casa.

A noite era um borrão de escuridão e terror enquanto Charlotte corria, com as pernas queimando e o peito apertado.  Ela não ousou olhar para trás, com medo de que a visão de seu pai perseguindo fosse a última coisa que ela veria. Os sussurros ficaram mais fracos, os gritos das crianças presas aparentemente engolidos pela escuridão escura que a cercava. A única luz era a lua, lançando um brilho frio e prateado sobre o gramado mal cuidado.

Seu coração batia como um tambor em seus ouvidos, a batida ecoando pela noite silenciosa enquanto ela corria pela estrada de terra. Os sussurros das crianças ficaram mais fracos, substituídos pelo som de sua própria respiração irregular. Cada passo que ela dava era uma declaração de liberdade, uma promessa silenciosa de expor os segredos obscuros de seu pai. O ar frio feria seu rosto, mas também trazia clareza, um foco nítido que lhe permitia ignorar a dor em suas pernas e a queimação em seus pulmões.

A casa foi ficando cada vez menor até não ser mais que uma silhueta contra o céu estrelado.Ela não ousou olhar para trás, com medo de que a visão de seu pai perseguindo fosse a última coisa que ela veria. O gosto do medo permaneceu em sua boca, mas ela não ousou deixá-lo tomar conta. Ela tinha que continuar se movendo, tinha que encontrar ajuda. A lua lançava sombras assustadoras pela paisagem, fazendo as árvores parecerem guardiãs esqueléticas observando seu voo. Seus olhos disparavam para frente e para trás, procurando por qualquer sinal de civilização, qualquer vislumbre de esperança no vasto e desolado campo. 

Suas pernas queimavam a cada passo, e ela podia sentir o frio penetrar em seus ossos, apesar do calor de seu desespero. Os sussurros ficaram mais fracos, mas ela sabia que ainda estavam com ela, um lembrete constante do horror que ela havia deixado para trás. Ela tropeçou e caiu, as pedras irregulares na estrada cortando a pele de suas palmas. A dor era real, aterrando-a no presente, mas não era nada comparado ao medo que a arranhava por dentro.

Cheiro de melOnde histórias criam vida. Descubra agora