um novo começo

3 0 0
                                    

Na manhã seguinte, ela acordou com o som do pai fazendo as malas. Os movimentos dele eram urgentes, quase frenéticos, como se tivessem que sair imediatamente. Ela saiu da cama e desceu as escadas, o cheiro do café se misturando ao leve odor dos cigarros dele. Ele estava na cozinha, os olhos injetados, um cigarro meio fumado balançando nos lábios.

"Papai", ela disse, sua voz ainda pesada de sono. "O que está acontecendo?"

Ele se virou para ela, o cigarro esquecido entre os dedos. "Está na hora de mudar, Charlie", ele disse, com a voz tensa. "Uma casa nova, um novo começo."

As palavras pairavam no ar, pesadas com um significado que ela não conseguia compreender completamente. Os olhos dela procuraram os dele, procurando a verdade por trás do sorriso forçado. "Mas e meus amigos?", ela perguntou, com a voz trêmula.

Ele deu uma longa tragada no cigarro, a ponta brilhando como um pequeno sol na escuridão. "Você não tem amigos aqui, tem?", ele disse, seu tom enganosamente casual. "O novo lugar será melhor. Você fará novos amigos, amigos que eu posso ficar de olho."

Seu estômago se contorceu em um nó. "O que você quer dizer?", ela perguntou, sua voz quase inaudível sobre o som de seu coração martelando em seu peito.

"Não é nada com que você precise se preocupar, querida", ele disse, seu tom suave, mas firme. "Você tem tido alguns problemas na escola, então o diretor concordou que seria melhor se você estudasse na secretaria por um tempo." Ele deu outra tragada no cigarro, a brasa lançando um brilho assustador em seu rosto. "É só até as coisas se acalmarem."

As palavras pairavam no ar como uma nuvem escura. "Mas por que eu não posso simplesmente ir para a escola?" ela pressionou, sua voz cheia de ansiedade. "Que tipo de problema?"

O olhar do pai dela correu pela sala, evitando o dela. "Só alguns... mal-entendidos", ele murmurou, a mentira grossa e enjoativa. "É melhor você ficar no escritório um pouco, até resolvermos tudo." Ele deu uma tragada profunda no cigarro, a fumaça se enrolando em volta da cabeça como uma serpente. "É para o seu próprio bem, Charlie."

Segunda-feira, o dia da mudança, chegou com a sutileza de uma tempestade. O caminhão grande e barulhento já estava estacionado na entrada da garagem quando ela acordou, o sol lançando sombras através das cortinas. Seu pai estava acordado há horas, os olhos vermelhos e cansados, um cigarro constante pendurado na boca enquanto ele dirigia os carregadores. Tudo o que ela já conhecia já estava embalado em caixas de papelão, tirando o calor da casa e enchendo-a com o cheiro amargo do medo.

Os móveis com os quais ela cresceu, o sofá em que ela se enrolou inúmeras vezes assistindo a filmes, a mesa onde eles compartilharam inúmeras refeições, tudo se foi, deixando apenas um eco de sua existência. A casa parecia uma concha, um lembrete vazio da vida que eles construíram juntos, agora sendo desmantelada pedaço por pedaço. Ela observou da janela, sua pequena mão pressionada contra o vidro frio enquanto os carregadores carregavam as últimas de suas coisas, os baques de seus passos pontuando o silêncio.

O pai dela se movimentava de um lado para o outro, seus movimentos eram um borrão de nervosismo e urgência. Ele tinha embalado seu ursinho de pelúcia favorito e a colcha de sua mãe, os dois únicos itens que ela havia pedido, mas todo o resto era um mistério, uma confusão de sua vida em caixas de papelão. A cozinha, antes cheia do aroma da comida de sua mãe, agora cheirava levemente a fumaça de cigarro e tristeza.

 Os carregadores tinham ido embora, seus passos ecoando no vazio que eles tinham criado. As paredes estavam nuas, as prateleiras vazias, e o chão era uma superfície fria e hostil sob seus pés. Ela olhou ao redor da sala, tentando encontrar algo em que se segurar, algo que pudesse ancorá-la às memórias que ela tinha de um tempo mais feliz.

Cheiro de melOnde histórias criam vida. Descubra agora