Prólogo.

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Estou ligado ao que ele me chamou.
Um anel e ele me possuiu.
Nunca me senti tão solitário.

Incredível era a sensação que corria pelo sangue derramado, pelo fogo ardente e pela beleza daquele ritual tão bem feito. Nímio era o desejo dos mortais desavisados, que não sabiam o quanto suas ações eram prejudiciais às pessoas que mais amavam. Mas não se importava, não quando tinha um trabalho a fazer. O fogo o chamou, com o aroma sanguinário e os diversos venenos espalhados pelo chão. Não foi a primeira vez, de fato, mas nunca havia testemunhado tanta dedicação e ânsia de sua presença. Chegava a ser fascinante o quanto o egoísmo corroía tão fácil as ideias humanas, junto com elas, seus princípios, suas leis.

Desprezível.

Tão cruel que não poderia ser diferente quando, selando o destino da mulher, a entregaram ao diabo, sem preparação alguma. Era visível seu claro desespero, mas não era como se a criatura sentisse algum tipo de empatia com suas emoções. A nudez não importava quando seu coração já parara de bater dentro de sua boca. Devorou cada parte sua sem remorso algum. Pobre moça, que tanto tentava proteger a pequenina em seu útero; mesmo ao partir, ainda tinha suas mãos geladas em sua barriga, como se aquilo pudesse, de alguma forma, impedir que aquele bebê fosse tocado pelas mãos impuras, que a seguraram assim que a presenteou com uma morte rápida e indolor. Não era tão mau assim. Ela não merecia passar por aquilo, mas ainda assim era um demônio. Precisava se alimentar e infelizmente ela estava no lugar errado e na hora errada.

Não foi sua culpa quando as pernas e braços, quebrados e desmembrados, passaram junto ao seu sangue por sua garganta. Não sofreu quando deus dedos, beijados como se pedisse permissão, foram ingeridos tão lentamente. Ela já estava morta, afinal.

Era deprimente ver como a doce aura daquela mulher havia se tornado... aquilo.

Restos de ossos e sangue que antes de tudo, formavam uma pessoa tão dócil e amada. Uma rainha tão adorada pelos próprios súditos que a idolatravam, mas que também a apunhalaram pelas costas sem pensar duas vezes.
Podia sentir suas lágrimas em seu paladar ao passo que degustava das janelas de sua alma. Gostava da textura gelatinosa dos olhos, de como despedaçava e derretia dentro da boca. De como as pupilas eram salgadas. De como algo tão trágico poderia ser tão delicioso.

Era horrível, de fato. Detestável. Um monstro canibal e sem limites que destruíra tudo que um dia tocara. Era o seu trabalho, afinal.

Mas, por hora, passaria o resto de seus dias protegendo aquele bebê, no qual poupou várias memórias ruins ao segurá-la nos braços ensanguentados. Estava livre do útero morto agora, e o chorinho gostoso deu-lhe um sinal positivo quando abriu um sorriso satisfeito. Estava respirando.

Anos e anos se passariam, e o demônio se via perfeitamente preparado. A princesa estava a salvo com ele. Não seria inútil como seu pai, faria aquilo direito. Enquanto a alma podre estivesse vagando por aquelas terras, ela estaria segura.

Era como uma dança.

Aquele ritual.

Os corpos de quem matou e o sangue de quem bebeu.

Para eles, o sacrifício valera a pena. Para ele, tudo não passava de uma obrigação.

Por enquanto.

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