Capítulo 3

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A mansão estava envolta em um silêncio quase sepulcral quando Miranda ouviu a porta da frente se abrir com um rangido. Stephen estava de volta. Ela nem sequer levantou os olhos da tela do computador em seu escritório, continuando a revisar os detalhes da próxima edição da Runway. Ele entrou na sala sem bater, com passos pesados que ecoavam no chão de mármore, e Miranda já podia sentir a tensão crescer no ar antes mesmo que ele dissesse qualquer coisa.

— Cheguei e, mais uma vez, você está trancada no seu reino de revistas e vestidos — Stephen começou, a voz carregada de irritação mal disfarçada. Ele se apoiou no batente da porta, cruzando os braços com uma expressão de desdém. — Miranda, será que, por um dia, você poderia se lembrar que tem uma vida fora dessas páginas? Ou que você tem um marido?

Miranda não tirou os olhos da tela, seus dedos elegantemente movendo o cursor sobre as imagens e textos, como se as palavras de Stephen fossem apenas um ruído de fundo. O controle impecável de suas emoções estava em pleno vigor.

— Stephen, estou trabalhando — disse ela, sua voz fria e medida, sem traço algum de raiva ou surpresa.

— Trabalhando. Claro. — Ele deu um passo para dentro do escritório, o sarcasmo escorrendo de suas palavras. — Trabalhando como sempre, negligenciando tudo o mais que importa. Qual foi a última vez que você sequer olhou para mim como sua esposa deveria?

Ela parou, finalmente. Lentamente, Miranda fechou o laptop, cada movimento preciso e calculado. Quando seus olhos se levantaram para encontrar os de Stephen, estavam vazios de emoção.

— E o que, exatamente, você quer, Stephen? Que eu abandone a carreira que sustenta essa casa? Que sustenta você?

Stephen deu uma risada curta e amarga, sacudindo a cabeça.

— Você não entende, não é? Isso nunca foi sobre dinheiro, Miranda. Sempre foi sobre presença. Você está casada com a Runway, não comigo. Tudo que importa para você é esse mundo de vaidade e aparência.

— Se é assim que se sente, por que ainda está aqui? — Miranda respondeu com um tom gélido, mas ainda baixo, como se a discussão já a entediasse.

— Porque, apesar de tudo, eu ainda sou seu marido — ele explodiu, caminhando até sua mesa. — E tenho o direito de exigir algo mais do que uma mulher que vive para o trabalho. Um pouco de atenção, de calor, de... amor. Ou será que isso é pedir demais para a famosa Miranda Priestly?

Miranda se inclinou para trás em sua cadeira, cruzando os braços, o olhar afiado como lâminas.

— Seu conceito de casamento é patético. Acha que me enredar em uma conversa sobre deveres vai mudar alguma coisa? Se você realmente entendesse o que significa ser casada comigo, saberia que exigências como essas nunca teriam lugar.

Stephen abriu a boca para retrucar, mas Miranda levantou uma mão, encerrando qualquer esperança de prolongar a discussão.

— Isso é tudo, Stephen.

Seu tom era definitivo, como se cada palavra fosse uma sentença final. Ela não levantou a voz; nunca precisava. E isso, mais do que qualquer outra coisa, cortou qualquer resistência que ele pudesse ter. Ela não esperou por uma resposta, levantando-se da cadeira com elegância impecável e virando as costas para ele.

Stephen ficou parado, observando-a sair da sala, seus olhos cheios de frustração e ressentimento, mas incapaz de dizer mais nada. Ele sabia, assim como ela, que essa conversa nunca levaria a lugar algum.

Miranda subiu as escadas em direção ao seu quarto, cada passo seu ecoando pelos corredores vazios. Ao entrar, ela foi diretamente ao banheiro. O vapor começou a subir da banheira enquanto a água quente preenchia a porcelana branca, criando uma névoa que a envolvia como um véu. Ela  removeu cuidadosamente cada peça de roupa, uma a uma, dobrando-as com precisão antes de entrar na banheira.

A água quente tocou sua pele, e por um momento, Miranda fechou os olhos, deixando-se afundar no conforto do silêncio e do calor. Seu corpo relaxou lentamente, e seus pensamentos, antes ocupados pela frustração de Stephen, começaram a se dissipar.

Foi então que ela viu Andrea.

A imagem da jovem morena, com aqueles olhos chocolate que a encararam tão desafiadoramente no parque, surgiu em sua mente. A intensidade daquele olhar, a leveza em seu sorriso. Miranda franziu a testa, tentando afastar a lembrança, mas quanto mais ela resistia, mais vívida a imagem se tornava.

Agora, Andrea estava ali, ao seu lado. Não era mais uma lembrança vaga, mas uma presença quase tangível. O toque suave dos dedos de Andrea correu pela pele de Miranda, e ela sentiu um arrepio subir por seu corpo, como se fosse real. Havia algo íntimo e irresistível nesse toque, algo que a fazia esquecer tudo — Stephen, o trabalho, a revista. A respiração de Miranda ficou pesada, seus olhos ainda fechados, enquanto o calor da água parecia se fundir com o calor do corpo de Andrea, agora tão próximo.

Miranda tentou dizer algo, mas as palavras escapavam, presas em sua garganta. A morena a observava com intensidade, sem dizer nada, como se soubesse exatamente o que estava fazendo com ela. Era um sonho, Miranda sabia disso, mas a sensação era tão real que quase se sentia culpada por se permitir mergulhar tão profundamente nele.

Quando finalmente abriu os olhos, estava sozinha na banheira. O vapor ainda dançava no ar, mas a sensação do toque de Andrea ainda pairava sobre sua pele. Miranda respirou fundo, sentindo a realidade voltar aos poucos.

Ela piscou lentamente, tentando recuperar o controle que tanto prezava. Era só um sonho, ela se lembrou, nada mais.

Mas enquanto se levantava da banheira e vestia o robe, Miranda não conseguia afastar a sensação de que, de algum modo, aquele sonho havia mexido com ela mais do que qualquer encontro real nos últimos anos.

A Amante - Mirandy Onde histórias criam vida. Descubra agora