Minha cabeça doía. Uma noite maldormida pra caramba tinha transformado o que era levemente irritante em insuportável. Entre os bandos de calouros que passavam pelo estúdio nos últimos tempos e a donzela que estava na minha cadeira naquele momento, para mim, não dava mais.
Massageei a têmpora para aliviar as marteladas chatas que tinham surgido ao longo do dia. Mais dez minutos e eu terminaria o desenho se conseguisse manter a concentração. Era uma batalha que eu estava com dificuldades para vencer, pois estava preocupado. Depois que finalizasse a tatuagem de unicórnio, não teria nenhuma outra sessão marcada e ainda restaria mais de uma hora até fecharmos. Se eu desse azar, ficaria preso ali com outro desses pirralhos universitários que não marcam horário e querem um personagem de desenho estampado na pele.
Eu preferia terminar com a minha cliente para poder dar um pulo no outro lado da rua no sebo e café da minha tia Cassie. Escapadinhas para um café no Serendipity haviam se tornado meu passatempo preferido nas últimas quatro semanas, desde que Cassie tinha contratado a menina nova. Ela era a razão por eu estar tão distraído. Não a tinha visto nos últimos cinco dias, mesmo com o aumento do meu consumo de cafeína, e estava tentando dar um jeito nisso o mais depressa possível.
Passei um pano úmido sobre a tinta fresca. A garota na minha cadeira estava relativamente quieta desde que comecei a esboçar o contorno, o que era ótimo. Eu não estava com paciência para papo furado. Então me concentrei no barulho da máquina de tatuar. Aquele som nunca me incomodava. Era calmante, como uma boa música.
Eram os outros ruídos que enchiam o saco: as conversinhas idiotas dos adolescentes, o bater de um pé nervoso no chão de madeira, e, na TV, o zumbido alto de um repórter que tagarelava as desgraças do dia. O timbre nasal da voz dele me irritava pra cacete. Mesmo assim, eu não conseguia parar de ouvir, seduzido pelo desejo de saber que a vida de outras pessoas estava pior do que a minha.
— Dá para abaixar o volume? — pedi a Lisa, nossa contadora e colocadora de piercings.
— Já vai. — Ela me dispensou com um aceno, mas pegou o controle remoto.
Os outros artistas do estúdio também estavam trabalhando concentradíssimos nos clientes. Eu parecia ser o único com dificuldade de atenção. O sino da porta tilintou, me salvando de ficar ainda mais irritado. Lisa mudou o rádio de estação e batidas pesadas de rock tomaram conta do lugar, o baixo fazendo o chão vibrar. Então ela colocou o rádio em um volume aceitável.
Parei e dei uma olhada para a porta, rezando para que não fosse outra universitária sem sal querendo dar uma de rebelde. O próximo cliente seria meu. Desse jeito eu jamais conseguiria ir ao Serendipity antes de fechar.
Qualquer preocupação potencial evaporou assim que eu vi a nova funcionária de Cassie. Ela estava segurando uma pilha de livros na altura do peito, como um escudo, os cabelos longos esvoaçando ao redor do rosto. Seus olhos desviaram quando ela percebeu que eu estava olhando.
O nome dela era Tenley. Eu sabia não porque fomos formalmente apresentados — embora eu tenha falado com ela algumas vezes —, mas porque Cassie compartilhou essa informação comigo quando pedi. Como uma verdadeira fonte de informações, Cassie também me contou que Tenley era de Arden Hills, em Minnesota, e que estava fazendo mestrado na Universidade Northwestern. Mas ela não agia como uma daquelas esnobes sabe-tudo típicas das universidades grandes. Parecia bastante pé no chão, pelo pouco que tínhamos conversado. O que, verdade seja dita, não era lá muita coisa.
A primeira vez em que a vi foi quase um mês atrás. Fui até o Serendipity visitar minha tia e comprar café, o que não era incomum. Já a nova aquisição da loja da Cassie, essa era. Ela estava entocada atrás do balcão com um livro sobre comportamentos divergentes erguido à frente, de modo que dava para ver apenas seus olhos. Ela estava tão imersa na leitura que não ouviu o sino da porta tilintar, sinalizando minha entrada.
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A FLOR DA PELE - Republicação Autorizada
RomanceDepois de sofrer um grande trauma, Tenley se muda para Chicago. Solitária na nova cidade, passa as noites olhando pela janela para o estúdio de tatuagem em frente, onde observar um dos tatuadores a distrai da tristeza. Ele, Hayden, também tem um pas...