O beijo da sombra

A Noiva Sombria

Na véspera do meu casamento, a euforia que antecipava, transformou-se num nó apertado no meu peito. A felicidade, antes tão vibrante, agora era um eco distante, abafado por uma crescente sensação de angústia. A escuridão que se instalava fora da janela parecia se espelhar na minha alma, obscurecendo a esperança que antes me iluminava. O Miguel era o homem da minha vida, a pessoa que sonhei encontrar e partilhar o resto dos meus dias. No entanto, não consegui sentir-me mais feliz.

Assim que terminei o jantar, despedi-me do meu noivo e subi para o meu quarto. Seria naquele espaço, com as paredes em tom pastel, decorado com rosas-brancas, que me prepararia para o grande dia. O vestido que ia usar, estava pendurado ao lado de um grande espelho dourado. Por momentos, sentei-me na enorme cama de dossel e observei o mesmo. Mas logo uma sombra negra apareceu sobre ele. Um formigueiro começou a crescer junto aos meus pés, espalhando-se pelo meu corpo. O véu que cobria o meu coração, começou a ficar mais escuro, e o desespero apoderou-se sobre mim.

"Catarina..."

O som profundo daquela voz, fez-me saltar em desespero. O meu coração batia em esforço, contra o véu. A minha respiração estava acelerada, como se o ar da sala tivesse escapado para longe. Olhei para o espelho, mas a imagem parecia distorcida, como se fosse dois reflexos sobrepostos.

"Catarina..."

Um arrepio percorreu a minha coluna, quando ouvi novamente o meu nome. Desta vez o som parecia vir do lado de fora da janela. Devagar aproximei-me dela, e espreitei pelas cortinas, em direção à escuridão. Ao lado do lago, encontrava-se um vulto branco de uma mulher vestida de noiva. O seu vestido, parecia gasto, rasgado, em algumas partes. O seu véu esvoaçava com a brisa fria, desaparecendo ligeiramente na escuridão.

"Catarina..."

"Quem és", perguntei receosa. "Como sabes o meu nome?"

"Sou a Clara", aproximou-se da janela, deixando-me ver o seu rosto frio, os seus olhos tristes e o seu sorriso sem brilho. "A noiva do Miguel."

As palavras ressoaram na minha mente, como uma explosão, que me fez recuar. Afastar-me naquela assombração e desejar que tudo aqui não passasse de um pesadelo. Eu sabia que o meu noivo, tinha um passado. Uma noiva que desapareceu do altar, mas isso foi há 5 anos. Não tinha como ela saber da minha existência, mas como a encarnação do seu passado havia-me encontrado. Logo hoje, na véspera do... dia que ela desapareceu, para sempre.

"O que aconteceu? Por que estás aqui?"

"Vim avisar-te."

"Avisar-me de quê?"

"Não te deves casar com o Miguel. Ele tem um passado, que devias conhecer, um passado que me matou."

"Como assim? O Miguel não é mau, ele é o amor da minha vida, nós amámo-nos e amanhã vamos nos tornar um só."

"Não deves, casar-te." A voz fria voltou a alertar, aproximando-se mais, enquanto eu recuava. "Eu também amava o Miguel e ele amava-me da mesma forma, mas eu não conhecia o seu segredo. O segredo que me matou, na hora que devia subir no altar."

"Como assim? O que aconteceu naquele dia?"

"Tu deves descobrir o passado, ainda não é tarde. Vai, encontra-me em vida e traz luz para a verdade."

"Mas..."

"Não subas ao altar. Não te cases com os segredos. Catarina..."

Uma rajada de vento, levou a sua imagem, como uma coluna de fumo que se dissipou na escuridão. O meu sangue, continuava gelado. As poucas forças que me restavam, quase não suportavam mais o meu peso. Derrubando-me no chão ao primeiro passo. O que havia acontecido, naquele fatídico dia. Que segredos podia o meu noivo, esconder?