Ele estava ali. Desistiu da corrida. O tempo o ultrapassou em tantas voltas que raciocinar já era reles. Pegou um livro, para sentir que ao menos de modo oscioso triscava o produtivo. Como no livro, sua quimera bombeando sangue o mantinha perto.
A onda vinha, ondulada, de dentro do estômago, ardia os olhos e o nariz, a onda quebrava no raso, a lâmina d'água suave. O nariz como se tivesse arrotado coca. Ele coçou os olhos fingindo ser bocejo.
A cena se repetia a cada pagina, as manchas brancas de luz o obrigavam ao fingimento constante, para a nitidez, timidez.
Isso tudo enquanto o mundo girava e ele perdia aos poucos a culpa que sentia por estar ali, parado.
O chiado do silêncio de vozes, apenas de vozes, não da vida correndo na cidade. O chiado o incomodava, não por atrapalhar sua leitura, mas sim por lembrar de seu pai, que o obrigava a ser útil quando pequeno.
Ele não era lerdo para ler, simplesmente não conseguia esvaziar sua subjetividade. Seu "garfo" e sua "taça de champagne" só mantinha seu olhar por algumas linhas, em seu "tinir".
Repetia e repetia. Não era suficiente.
Mal lera e já se esforçava para notar algo que julgava que iria perceber só na segunda vez que fosse ler, mas depois desistia, era reles. O que queria mesmo era chorar baixinho, com Deus e o mistério, mesmo sabendo que é reles.
Posição de índio, ele se conhecia, mas queria sair de si, desencarnar. Sua mão se transformava em algo que ele não reconhecia, tinha medo. Alguém estava folheando as páginas para ele, mas ele só agradecia, estava cansado.
Sabia que se estivesse sentado na entrada de um provador masculino no shopping, iria desejar ficar ali mesmo, sem se mover, talvez até viesse vontade de peidar, ele não ligaria.
Não sabia se ia para casa ou não, sua vida era um jogo de prós e contras, o que compensa mais? Menos esforço ou menos tempo? Ele só queria ser um cotidiano naquela tarde, cheiro de hortelã, mais uma fera em uma formidável cerimônia de despedida, ter disposição até para ser ousado. Mas colocava a culpa na sua saúde, da sua improdutividade.
Ele gostava de escrever, mas nunca para si. O que para alguns, sua poesia era o seu escrito, para ele era o rosto do leitor, eram suas parafrases. Parafrases que muitas vezes eram feitas de apenas dez porcento de suco, suco era o que ele pensava ser a essência, interpretação, beleza.
Mas mesmo assim não dizia, tudo era para ser natural. Ele não gostava do que não parecia real, Sua poesia continuava sendo frouxas palavras, nada do que ele já não tivesse visto em si mesmo, era reles.
A água continuava quebrando-se na areia, cheia de sal. Ele fechava os lábios para não deixar cair a sua fraca nudez interna, que o fazia duvidar de quem era, pois ouvia: sou homem.
Ele não sabia ao certo sobre essas ameaças que vinham. Tentava racionalizar porque sabia que não fazia sentido. Sua artimanha de desaguar era útil quando brincava de quem pisca primeiro, sempre ganhava, de olho arregalado ainda.
Enquanto a história era montada a cada linha, sua visão periférica subjetiva o conduzia a anúncios de entretenimento: onde será que estavam meus átomos na época dos dinossauros? Mas ele descartava o ato e repetia sua linha.
Seu cérebro ganancioso por dopamina, frustrado pelo escritor ser tudo menos sucinto, o puxava, mas ele por algum motivo tirava o grosso braço de seu ombro, e voltava.
Frases desconectadas, pequenos pensamentos que não necessariamente se interligavam, era algo que o chamava atenção, a não linha reta, como a vida real segue, sem coesão, mas sendo conectados os momentos pela essência de saber disso.