se o vento te levar, nas recordações eu te verei.

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Tudo o que eu um dia disse, disse porque era verdade

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Tudo o que eu um dia disse, disse porque era verdade. Eu ainda morava na China, andava de um lado para outro pelas ruas movimentadas da minha cidade natal. Eu procurava em todos os cantos um pouquinho do que eu sabia que eventualmente chegaria até mim.

Pelas ruas da cidade, eu via pessoas que não passavam de mentira; uma farsa feita sob medida para encantar outras farsas ambulantes. Eu o encontrei quando meus pés se arrastavam, minhas pernas eram forçadas por mim a caminhar. Eu encontrei, naquele dia, no meio do meu segundo verso, a mais bela farsa revestida de homem.

Wen Junhui desfez toda a minha linha de raciocínio. Seus dedos encontraram um caminho para os versos do meu coração, desfazendo cada frases, cada palavra do poema que eu tanto me esforçava para escrever. Ele, entre todos, era a minha mentira favorita.

A copa das árvores balançava levemente em resposta ao vento, os fios de cabelo de Junhui pareciam dançar. A primavera havia atingido seu pico, as flores estavam floridas e toda a Suécia parecia estar alegre. Recentemente saídos da China, eu e ele tentávamos achar um lugar para se deixar doer e dizer que ali pertencia suas dores.

A mão dele fez caminho até a minha, seus dedos acariciavam os nós dos meus. Cada carícia parecia o mundo, mas o mundo não pararia e me deixaria beija-lo. O meu mundo era Wen Junhui, o mesmo homem que olhou nos meus olhos naquela tarde florida e me disse que estava indo embora.

Ele não podia ter feito melhor, e hoje, debaixo da mesma árvore que um dia estava ao seu lado, eu posso admitir. Junhui, o mesmo homem que andava de bicicleta e que me encontrou quando eu tentava (mesmo que sem qualquer direção) encontrá-lo, morria a cada dia, a cada estação.

A Suécia parecia um lugar bom para deixar seus ossos. Estar no hospital era sufocante. Ver todas as vidas moribundos, internadas naqueles quartos e esperando que naquele pequeno espaço suas grandes histórias tivessem fim era o que Junhui mais odiava.

Junhui odiava muitas coisas. Desde a colher de madeira feita pela sua avó quando ele tinha oito anos até o apartamento minúsculo que tínhamos comprado. Ele odiava muito prematuramente, e eu fui o seu primeiro instantâneo amor.

Meus olhos! Ele os amava. Junhui olhava para eles e dizia que eram os únicos nos quais ele podia se ver em toda a sua verdade: em sua absoluta porcaria, desprezo e ódio. Eu gostava de sua sinceridade, principalmente porque combinava com a minha.

Certa noite, quando acabávamos de chegar do hospital, ele me encarou no estacionamento. Estávamos a um carro de distância, cada um em uma extremidade do veículo. A minha porta estava aberta; a dele, fechada. Na sua cabeça, uma touca de cetim. Em seus olhos, pura falta de tudo.

Ele me olhou e logo depois seus lábios rachados se separaram num sorriso que só parecia um repuxar. Nós não nos falamos pelo resto na noite, e, quando fomos dormir, ele não me abraçou. A Suécia parecia mais frio a cada dia que passava, nunca quente o suficiente para esquentar o meu mundo.

𝘃𝗶𝘃𝗲𝗻𝗱𝗼 𝗲 𝘃𝗲𝗻𝗱𝗼 𝘃𝗲𝗻𝘁𝗮𝗿 | 𝗃𝗎𝗇𝗁𝖺𝗈Onde histórias criam vida. Descubra agora