Prólogo
Ela ergueu o olhar para o céu, as nuvens pareciam dançar logo a cima dela, grandes, carregadas, ameaçando cair a qualquer momento. Mas a chuva não veio. A trovoada se mostrava só ao longe como uma luz distante que não se aproximava.
Ela moveu os olhos para ele, ainda de cabeça baixa, não dizia uma palavra quando saiam, e nem fazia questão de acorda-la. Repetiram a caminhada todas as manhãs, por sete dias desde o enterro, ficando em silêncio, rezando e trocando as flores.
Estaria sozinho, o rei, não fossem as filhas mais ninguém estaria na cripta de sua esposa prestando respeito. Parecia impossível, tantas pessoas a bajulavam, elogiavam, dependiam dela. Sete dias, e não prestaram o esforço de comparecer em nenhum deles.
Lucian foi o único a aparecer. Ele, de uma maneira educada, se assim pudesse dizer, tentava propor um novo casamento ao irmão. O rei era um homem de poucos amigos, nunca fora muito sociável, e a rainha foi seu porto seguro por vinte longos anos. Enfrentar isso não seria fácil.
Serena parou ao seu lado, quieta, quase imperceptível e se juntou as irmãs. Todas tão quietas. Pouco distante ela via a lápide da rainha, seu coração se apertou. Melissa não era uma boa mulher, mãe, rainha, nunca foi nada disso, mas não merecia acabar assim. Envenenada, na sua própria festa e sequer saber quem foi, ao menos, se sabia, não pode dizer nada.
A princesa fechou os olhos e passou a rezar o que sabia, pedia paz, perdão pelos pecados de sua mãe e em dado momento se esqueceu do que pedir e começou a agradecer. Sentiu a mão pesada de seu pai passar em seus cabelos, e o ouviu se afastando, ela não permitiu. Em um piscar de olhos estava junto dele.
Ronald se agachou sobre um joelho e apanhou uma das rosas que trouxeram. Ela fez o mesmo. Com os olhos fechados, ele murmurou algo antes de por a flor próxima das velas. Serena não sabia muito o que dizer, então sussurrou "Eu te perdoo" e fez o mesmo.
"Eu não quero morrer assim," pensou Serena enquanto se virava e seguia as irmãs. "Ninguém se importou." Ela baixou o olhar e subiu as escadas para fora da cripta. "Não, eu não quero." Atravessaram a estrada a passos lentos, até chegar ao portão. "Eu não quero morrer assim."
Seus Olhos I
Passaram da estrada de terra para a estrada de tijolos e da estrada de tijolos entraram no castelo pelos fundos, sempre acompanhados da guarda real. Ela subiu o olhar mais uma vez. Seus olhos estavam do mesmo jeito, não se moviam, e mesmo assim pareciam implorar por descanso. Ela os viu perder o brilho desde o primeiro dia até se apagarem por completo.
Fora dali, era possível ouvir uma voz gritando por ela, quase inaudível. Serena não acreditava no que via. Longe, muito longe, havia uma figura balançando os braços chamando por ela. Ele parecia empenhado, "Teo" Ela concluiu.
"Escutem," Ouviu o rei chamar. Parecia cansado. Ele tocou gentilmente em seus cabelos antes de continuar, "Obrigado por me acompanhar, todas vocês," Disse sem se virar. "Vão brincar um pouco. Tenho assuntos a tratar com o conselho."
De longe ela os viu, nobres, mestres da moeda, fofoqueiros, aproveitadores. Sua avó falava deles, "tipinhos miseráveis" pensou enquanto os via levar seu pai mais uma vez, e ele sem dúvida pensava a mesma coisa enquanto os seguia para os longos corredores do castelo.
O grande salão abrigava uma dezena de pessoas, dentre elas a família de sua falecida esposa. Estes, de aparência frágil, baixavam os ombros e o saudavam de boa vontade. Se não os conhecesse, diria que os cumprimentos eram verdadeiros.

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O Senhor dos Cacos
FantasíaEm uma cidade sombria, onde a luz não chega, os perigos surgem das profundezas da mente.