Mais um dia se desenrolava naquela cidade monótona. Os mesmos rostos passavam por Gabriel, mas, para ele, eram meras silhuetas, personagens vazios em uma peça que ele não queria fazer parte. Eram úteis e inúteis ao mesmo tempo. Talvez fosse um pouco cruel pensar assim, mas, em sua mente, ele estava perdido demais para enxergar profundidade nas pessoas ao seu redor.
Acordou num sobressalto ao perceber que o despertador já havia tocado, e ele o havia ignorado sem ao menos perceber.
- Como assim eu desliguei o despertador de novo?! - murmurou, frustrado, enquanto observava a tela do celular, onde o tempo passava implacável. 07:30... 07:32... 07:33.
- Droga, por que estou parado? Tenho que ir logo!
Levantou-se rapidamente, vestindo apenas a cueca, e atravessou o quarto repleto de lembranças. Livros empilhados e seu videogame largado sobre a mesa pareciam reprová-lo, como lembretes do tempo que ele poderia ter aproveitado melhor. No corredor, uma sombra gelada o envolveu, fazendo com que ele parasse por um segundo, e logo o aroma de um perfume familiar invadiu suas lembranças, carregando consigo uma onda de saudades e uma pontada de dor.
Ainda com o cabelo molhado pela pressa de se arrumar, Gabriel chegou ao escritório de telemarketing onde trabalhava, já atrasado. As horas avançavam devagar, os telefones tocando sem pausa, enchendo o ar com a monotonia das conversas.
- Nossa, Gabriel, que cara é essa? Virou a noite estudando? - Leticia, sua colega de trabalho, perguntou, tentando animá-lo.
- Na verdade, fiquei ocupado com... sei lá, talvez cinco caras ontem - respondeu Gabriel com sarcasmo, escondendo a frustração que carregava.
Leticia deu uma risadinha, mas sabia que as palavras dele escondiam uma verdade mais amarga.
- E ele... aquele cara... nunca mais te mandou mensagem? - perguntou, baixando o tom ao perceber que Gabriel realmente estava desconfortável.
Gabriel suspirou, encarando um ponto distante.
- Era tudo o que eu queria. Mas, infelizmente, nem sempre as coisas acontecem como a gente quer, né, Leticia?
Ela acenou compreensiva e decidiu voltar à sua mesa, percebendo que insistir só o deixaria ainda mais triste. Gabriel, por outro lado, sabia que aquela resposta não era só uma desculpa; era o peso de suas próprias expectativas não atendidas.
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Uma Ligação Estranha
A rotina voltou ao normal, ou quase. Gabriel estava prestes a iniciar mais uma ligação quando o telefone tocou. Ele ajeitou o fone de ouvido e, com um tom formal, seguiu o roteiro de atendimento.
- Olá, bom dia! Meu nome é Gabriel, em que posso ajudar hoje?
No entanto, a resposta que veio do outro lado da linha era diferente do que ele esperava.
- Gabriel? Hahaha! Quando se está preso em algo sobrenatural, coincidências passam a ser comuns na vida, não acha?
Gabriel ficou em silêncio por um momento, sentindo um arrepio nas costas. Aquela voz lhe parecia familiar, mas ele não conseguia identificar de onde.
- Poderia, por gentileza, me dizer o seu nome? - ele tentou seguir o script, mas seu tom mostrava a tensão crescente.
- Olha, eu não tenho muito tempo, mas preciso que você... em casa... te amo... Gabriel... favor... não... com o... teus...
A ligação foi interrompida de forma abrupta, a voz do outro lado distorcida, como uma fita de áudio sendo reproduzida ao contrário. O computador de Gabriel desligou-se de repente, deixando-o encarando a tela preta com confusão.
- Que porra é essa? Esses equipamentos da empresa já estão caindo aos pedaços - reclamou, tentando disfarçar o desconforto que sentia.
Nesse instante, a energia do escritório caiu por completo. Gabriel olhou ao redor e percebeu o escritório mergulhado na penumbra. Uma sensação estranha tomou conta de seu peito, como se estivesse sendo observado.
- Sentiu isso, Leticia? Que frio esquisito - comentou, tentando aliviar a tensão.
Ela concordou, puxando o celular da bolsa para iluminar o caminho.
- Acho que é melhor irmos para o ponto de ônibus. Até consertarem isso, vamos perder o resto do dia aqui.
O trajeto até o ponto foi lento. Gabriel ainda estava tentando entender a ligação que recebera. Algo naquela voz mexeu com ele de uma forma inexplicável, como se alguém quisesse lhe dizer algo importante.
No caminho, eles passaram por Silvana, a vendedora que todos os dias montava uma pequena barraquinha ao lado do ponto de ônibus. O cheiro de café e pão de queijo fresco era quase reconfortante, mas não bastava para distrair Gabriel daquela sensação esquisita.
Leticia percebeu que ele estava pensativo e tentou puxar assunto.
- Você acha que o universo manda sinais? Tipo, quando estamos no caminho certo?
Gabriel riu, ainda perdido em pensamentos, mas a questão dela fez eco em sua mente.
- Eu costumava pensar que sim. Talvez os sinais estejam por aí, só não sei se sou bom em interpretá-los. Tem vezes que tudo parece tão... confuso.
Leticia sorriu, tentando trazer um pouco de otimismo.
- Eu acho que, às vezes, até as coisas ruins são sinais. Depende de como a gente interpreta, né?
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Pensamentos Noturnos
Ao chegar em casa, Gabriel não conseguia esquecer a ligação. Deitou-se na cama, encarando o teto, e a voz da chamada parecia ecoar em sua mente. "Favor... não... com o... teus..." Aquela voz, aquela intuição de que ele estava à beira de algo importante, assombrava-o.
Naquela noite, ele dormiu mal, imerso em lembranças e arrependimentos, enquanto se perguntava se estava fadado a repetir os mesmos erros.
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Entre Linhas do Tempo
Science FictionGabriel achava que tinha tudo ao seu lado - até que seu mundo desmorona após o seu último término. Com o coração em pedaços e preso em memórias que parecem inescapáveis, ele descobre uma dimensão sombria que o leva a uma jornada única e perigosa: um...