"𝑜𝑙ℎ𝑜 𝑑𝑜 𝑓𝑢𝑟𝑎𝑐𝑎̃𝑜."

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15/ 06 / 2024 -- Rio de Janeiro (RJ) 🐿

Sentado naquela cadeira eu pude ver que tudo o que eu mais amava, se foi. Toda aquela sensação de ir em um lugar pela primeira vez, se apaixonar pela primeira vez, ralar o joelho andando de bicicleta, olhar o mundo com sonhos e destinos a seguir. Nada disso era real, era apenas a minha mentalidade de criança que enxergava a fantasia em tudo, e nesse exato momento, eu daria tudo para enxergar o mundo assim de novo. De uma forma mais colorida, mais viva, de uma forma em que nada do que eu sinto fosse confuso ou dolorido. Queria que tudo fosse apenas uma brincadeira de super herói de novo.

ㅡ Como se sente hoje, Jisung? ㅡ eu me sinto vazio, me sinto como se nada fosse nunca mais ter um lugar fixo. Como se tudo na minha vida girasse em torno da minha rotina tempestuosa e como se nada nunca fosse mudar. Me sinto preso, na minha longa e profunda solidão. Lá é um lugar escuro, um lugar aonde ninguém nunca vai alcançar-me.

E eu não acho que iriam tentar, quem iria tentar me alcançar? Eu não tenho ninguém, nunca tive. Tenho apenas a ilusão de algumas pessoas, os sentimentos que dizem ter é tudo falso, eles sentem amor e respeito ao meu dinheiro, não a mim.

ㅡ Normal. ㅡ respondo, queria ter dito milhares de coisas, queria ter colocado tudo que eu sinto para fora. Mas do que isso iria adiantar? Os problemas continuariam lá, a dor e a angústia de estar perdido em um caminho escuro aonde não consegue achar a trilha de volta para casa, se é que existe casa.

ㅡ E você está se alimentando bem? ㅡ não, eu não como nada a dois dias. Sinto que isso seria injusto, comer sem vontade, comer quando a única coisa que eu quero é ficar tanto tempo sem me alimentar até que todos os meus problemas girem em torno apenas da minha barriga.

ㅡ Sim. ㅡ isso é um show de mentiras, um show do qual eu não comprei ingresso, eu fui obrigado a assistir. E as vezes eu penso que ele não tem fim.

ㅡ Isso é bom, e os pesadelos? Eles foram embora? ㅡ não, eles nunca vão. Minha noite é um labirinto de sombras. Sonho que estou afundando em um oceano de desespero, sem braços para nadar. O silêncio é ensurdecedor, apenas meu grito por ajuda não ouvido. Vejo meu reflexo rachado, olhos vazios, sorriso forçado. Acordo ofegante, perdido, com o mundo se fechando sobre mim. Preciso fingir que estou bem, escondendo meu afogamento na escuridão.

ㅡ Eles vão e voltam. ㅡ mentiroso.

ㅡ Jisung, eu entendo que as coisas estão difíceis para você. ㅡ não, você não entende. ㅡ Mas você tem que se esforçar para que eu possa te ajudar, entende?

ㅡ Mas eu estou me esforçando. ㅡ aquele quarto branco, aquela janela aonde o sol encontra caminho até mim, aquele piso que reflete meu próprio reflexo, aquela mulher que eu não tinha absolutamente nenhuma confiança mas era obrigado a falar sobre meus fantasmas com ela.

ㅡ Tudo bem, é só isso por hoje. Tenha um bom descanso Jisung. ㅡ levanto, pego a minha mochila e finalmente vou embora daquele formigueiro. Eu me sinto encurralado lá, como se eu fosse apenas um experimento que eles tentam descobrir mais coisas, para depois me usar com algum produto químico idiota.

Eu estou tão cansado de tudo, eu só queria deitar com a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Queria poder enxergar o mundo com beleza de novo. Queria sentir como é se apaixonar por alguém.

Eu queria ser humano.

Porque eu me sinto um alien, perdido em um planeta que não é o meu.

02:35 AM -- Rio de Janeiro (RJ)

"Querido diário.

Hoje foi mais um dia sem sentido. Sinto como se estou apenas existindo, não vivendo. Os problemas em casa não param de crescer e eu me sinto completamente perdido. Meus pais brigam o tempo todo e eu me sinto como um refém no meio de tudo.

Eu me lembro de quando eu era feliz, quando eu sentia coisa. Agora, é como se meu coração estivesse enterrado sob uma montanha de tristeza. Eu quero sentir novamente, quero rir, quero chorar, quero sentir o calor do sol no meu rosto.

Mas parece que tudo está fora do meu alcance. Eu me sinto sozinho, completamente sozinho. Ninguém entende o que estou passando. Nem mesmo eu.

Eu queria voltar a ser aquele menino que sonhava, que sorria, que amava. Mas agora, eu só vejo escuridão.

Eu estou cansado de fingir que está tudo bem. Eu estou cansado de ser forte. Eu quero ser fraco, quero ser vulnerável, quero ser humano.

Eu quero sentir novamente.

Eu quero viver novamente."

Deito-me na minha cama depois de escrever uma longa página do meu diário, sinto que com ele eu posso ser quem quer que eu seja. Sinto que com ele eu posso desabafar sem ser julgado, já que é apenas um pedaço de papel.

E mais um dia, perdido em meus próprios pensamentos. Perdido tentando saber qual é o sentido de tudo isso, qual o sentido de tanta dor e sofrimento. Dinheiro? Eu largaria todo o meu dinheiro por uma vida feliz.

O dinheiro só compra sorrisos falsos.

Eu não vou conseguir dormir, sei disso.

Sei que aqueles malditos sonhos vão me assombrar novamente e me afogar naquele mar escuro e profundo, e depois, arrancar meus braços para que eu não consiga nadar.

Eu vou sair, escondido é claro. Eu levanto devagar e saio do meu quarto, pego a minha carteira e meu celular que estavam na sala e vou direto para o quintal gigantesco que a casa tem.

Não é como se fosse difícil sair, mas é óbvio que eu tive de inventar alguma coisa para os seguranças deixarem eu ir sem avisar aos meus pais.

Eu tenho carro, dois pra ser mais específico, mas eu preferi ir a pé, já que nem eu sabia para onde estava indo. Eu moro bem perto da praia então eu fui para lá. Sentei na areia e fiquei lá, sentado, olhando para o mar que me assombrava todas as noites no meu sonho, mas desta vez eu tinha braços, e não estava me afogando.

Eu queria chorar, mas não conseguia.
Eu queria conseguir sentir pavor pelo mar, mas não conseguia.
Eu queria poder ser livre, mas não podia.

A minha vida é uma grande dinâmica do que se pode ou não fazer, era assim quando eu tinha uns 9 anos e continua sendo assim, atualmente com 19 anos.

Nunca muda, eu não posso me envolver com pessoas que não sejam do meu "nível" de dinheiro, não posso confiar em ninguém, não posso sair sozinho ou sem avisar, não posso ter amigos que não sejam ricos, resumindo, não posso viver.

E caso eu descumpra essas regras, meus pais acabam comigo. Eles não ligam se eu sou filho deles ou não, eles não ligam se isso pode me afetar ou não, com apenas uma ligação eles consegue tirar o pouco que eu tenho. Tirariam meu dinheiro para viver, minha faculdade, me jogariam na rua, e o pior, eles matariam a Catty na minha frente.

A Catty é a minha gatinha de estimação que eu tenho desde pequeno, uma antiga empregada que cuidou de mim mais novo me deu ela de presente. E desde então ela virou tudo pra mim, se não fosse a Catty eu acho que estaria mais louco do que estou agora.

Perdido em meus pensamentos, eu vejo uma pessoa se aproximar. Eu logo fico mais atento, eu moro no Rio de Janeiro afinal, qualquer coisa aqui pode ser um bandido querendo te roubar ou te matar.

Mas não, era um garoto, um garoto que não aparentava ser um bandido. Eu acho.

Seu cabelo era castanho escuro, olhos pretos e profundos, ele parecia ter a minha idade. Acho que deve malhar, ele tem músculos que não são exagerados, mas são músculos. Estava vestindo uma bermuda preta e um moletom cinza.

Ele se sentou ao meu lado mas não olhava para mim, olhava para o mar.

ㅡ O que um garoto bonito como você faz a essa hora na praia?

Dᴏɪs ᴄᴀᴍɪɴʜᴏs, ᴜᴍᴀ ᴅɪʀᴇᴄ̧ᴀ̃ᴏ. || minsungOnde histórias criam vida. Descubra agora