Deitada na cama do quarto sombrio, Bela tentava inutilmente afastar a inquietação que dominava seu coração. As cortinas pesadas e escuras deixavam o ambiente quase totalmente em sombras, exceto por uma fraca luz de velas em um candelabro ao lado da cama. A tempestade lá fora parecia cada vez mais violenta, com trovões que faziam vibrar as janelas e o vento uivante que, em alguns momentos, parecia trazer sussurros. Mas o que a mantinha acordada era mais do que o som da chuva pesada; era o desconforto daquele lugar estranho, a presença do homem que a recebera e o sentimento incômodo de que não estava sozinha.
Após minutos de inquietação, Bela decidiu levantar-se. Enrolou-se no cobertor e acendeu um dos castiçais empoeirados que encontrou sobre a penteadeira, segurando-o firmemente para iluminar seu caminho. A luz do candelabro era fraca e vacilante, mas a sensação de ter algo entre ela e a escuridão trouxe-lhe uma ponta de coragem.
Caminhando cuidadosamente pelo corredor, Bela explorava o ambiente sombrio. Passou por arcos ornamentados e corredores longos, onde o som de seus passos ecoava. A mansão parecia maior do que aparentava por fora, quase como se os corredores se multiplicassem em uma série de portas e passagens, cada uma mais escura e assustadora que a outra. Finalmente, ao abrir uma porta de madeira pesada e esculpida, encontrou o que parecia ser uma biblioteca. Suas paredes eram cobertas de estantes altíssimas, repletas de volumes encadernados em couro e capas desgastadas. O cheiro de papel velho misturava-se com a umidade do ambiente, e Bela se aproximou das estantes, sentindo-se momentaneamente encantada com a grandiosidade daquele lugar.
Enquanto percorria os dedos pelas lombadas dos livros, um ruído baixou o véu de fascinação que cobria seu medo. Um som distante, algo como um arranhar abafado, seguido por passos lentos e firmes. Ela estremeceu, sentindo o coração acelerar. Sem hesitar, seguiu o som, empurrando uma porta que a levou para um corredor mais escuro. O barulho aumentava, e, ao virar o corredor, a fraca luz de seu candelabro revelou a figura de seu anfitrião. A luz da lua que entrava por uma fresta nas janelas iluminava sua pele pálida, quase translúcida. Bela ofegou ao ver seu rosto, que parecia ainda mais sombrio sob a luz prateada, e percebeu as presas afiadas que reluziam enquanto ele respirava profundamente, com os olhos cravados em um ponto distante.
Ela deu um passo para trás, tentando não fazer barulho, mas o chão rangeu sob seus pés. Num instante, ele se virou, os olhos vermelhos e penetrantes a fitando, e Bela sentiu o sangue gelar. Presa pelo medo, seu instinto finalmente gritou, e ela se virou, correndo pelo corredor na direção de onde viera, em um desespero descoordenado. O candelabro balançava em sua mão, lançando sombras ameaçadoras que pareciam segui-la. Ouviu passos atrás de si, lhe causando ainda mais pavor. De repente, Bela tropeçou em um tapete grosso, perdendo o equilíbrio e caindo com força no chão. O impacto a dominaram, fazendo a visão se desfocar, as sombras dançantes e o som dos passos foram se apagando, até que, finalmente, Bela perdeu a consciência.
Bela acordou sob a luz suave e quente que iluminava o quarto, vindo de um lustre cristalino no centro do teto. Seus olhos se ajustaram lentamente, e ela sentiu uma dor latejante na cabeça. Tentando se lembrar de como havia chegado ali, flashes do olhar penetrante de seu anfitrião, com presas afiadas a deixaram assustada novamente. Foi nesse momento que uma figura feminina apareceu à sua frente, silenciosa e imponente, mas com um olhar gentil. A mulher, vestida com um traje formal e impecável, a observava com uma expressão serena.
— Vejo que acordou, senhorita — disse a mulher, sua voz calma e reconfortante. — Como está se sentindo?
Bela levou uma mão à cabeça, tentando aliviar a dor.
— Minha cabeça... está doendo, mas acho que estou bem... — Ela fez uma pausa, observando a mulher.
— Imagino...esse lugar, bem... ele pode ser um tanto intimidante para visitantes desavisados. — Ela fez uma pausa, avaliando as palavras antes de continuar. — Sobre o senhor desta mansão... ele tem uma presença que muitas vezes causa estranheza.
— Ele... ele parecia... diferente. Como se fosse algo mais do que um homem comum — murmurou, buscando entender o que presencio.
— O senhor é, de fato, um tanto... peculiar. Mas lhe asseguro que ele não tem intenção de lhe fazer mal, senhorita. Ele apenas se acostumou à solidão e às sombras, o que talvez o faça parecer... incomum.
Bela engoliu em seco, ainda desconfiada.
— Então ele... ele não é perigoso? A visão que tive foi tão... assustadora. — Bela abaixou o olhar, sentindo-se vulnerável e confusa.
— Tudo que lhe peço, senhorita, é que confie em mim. As circunstâncias desta casa são misteriosas, mas... nada aqui lhe fará mal enquanto estiver sob nossos cuidados. O senhor é reservado, sim, mas não é o monstro que talvez pareça à primeira vista.
Bela suspirou, ainda insegura, mas reconfortada pela presença firme da mulher.
— Obrigada...— murmurou Bela
— Descanse mais um pouco, senhorita.— a mulher caminhou até a porta. — Acredito que pela manhã possa se sentir melhor e descer para uam refeição.
Bela ficou inquieta, o local parecia tão abandonado e mesmo assim aquela mulher parecia tão familiarizada com local.
— Como devo chama-la? — questionou, Bela agarrando-se a coberta.
— Pode me chamar de Mary, — respondeu com gentileza, — sou a governanta deste local, não hesite em pedir nada. Providenciarei um chá para que consiga dormir melhor, boa noite.
Assim que Mary fechou a porta do quarto de Bela, seus passos firmes e silenciosos ecoaram pela mansão escura. A cada corredor que atravessava, as sombras pareciam se inclinar na sua direção, mas Mary caminhava com familiaridade e sem hesitação. Logo, ela chegou a uma porta de madeira maciça e decorada, que abria para um salão iluminado apenas por candelabros nas paredes.
Na penumbra, uma figura alta e imponente estava de costas, observando a noite pela janela. O homem se virou lentamente, revelando traços marcantes e olhos que pareciam conter tanto o cansaço de séculos quanto a ameaça de algo incontrolável. Sua expressão era uma mistura de preocupação e um autocontrole ferido.
Mary suspirou ao vê-lo assim.
— Ela está bem, — começou Mary, quebrando o silêncio. — Dei-lhe uma desculpa convincente, mas... temo que isso não será suficiente por muito tempo.
— Eu não deveria tê-la deixado entrar, Mary, — disse ele com voz baixa e cheia de inquietação. — Eu temo pelo que posso fazer...
Mary se aproximou, e havia em seus olhos um traço de ternura e lealdade que só anos de convivência poderiam cultivar. Ela colocou uma mão leve em seu braço, uma intimidade sutil, mas firme, que o fez baixar o olhar.
— Se ela está aqui, há um motivo. — Ela sorriu com um toque de melancolia.
— Ela é apenas uma garota, Mary. Alguém que merece uma vida longe das sombras deste lugar. — sussurrou ele, desviando o olhar com uma dor que Mary conhecia bem.
— Lembre-se, senhor, ela está aqui porque algo a trouxe até nós, — murmurou Mary, com sabedoria e um toque de esperança. — Agora, deixe que o destino aja... e não o destrua antes que ele possa ser revelado.
Ele abaixou a cabeça, vencido pelo peso das palavras dela.
— Mary... e se, eu perder o controle?
— Então, cabe a mim assegurar que não perca, não acha?
Com um suspiro, ele fechou os olhos por um momento, e, ao abri-los, ele parecia convencido por hora. Mary o observou por mais um instante antes de se afastar, certa de que, ao menos por enquanto, ele seguiria seus conselhos.
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O Conto da Bela e a Fera
FantasíaBela, uma jovem corajosa e sonhadora, encontra abrigo na mansão isolada de um enigmático vampiro conhecido como Fera. Enquanto uma tempestade a força a permanecer, Bela é atraída pela beleza sombria do local e pela intrigante história por trás da fi...