Carta

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23 de maio, 2025

Minha doce Eva,

Hoje, enquanto dirigia na volta do mercado, com você cantarolando no assento
e o porta-malas cheio de leite em pó e arroz, vi as Montanhas San Gabriel; vi-as de verdade pela primeira vez. Eu já havia pegado aquela estrada antes, mas isso fora diferente. Lá estavam elas, além do para-brisa: picos azul-esverdeados imóveis e silenciosos, tomando conta da cidade, tão perto que senti como se pudesse tocá-los. Encostei o carro só para olhar.
Sei que vou morrer em breve. A praga está levando todos os que tomaram a vacina. Não há mais voos. Não há mais trens. Eles bloquearam as estradas que saem da cidade, e agora todos nós devemos esperar. Os telefones e a internet caíram há muito tempo. As torneiras estão secas, e as cidades estão perdendo energia elétrica, uma a uma. Logo o mundo inteiro estará às escuras.
Mas neste momento ainda estamos vivas, talvez mais vivas do que jamais
fomos. Você está dormindo no quarto ao lado. Da cadeira onde estou sentada,
posso ouvir os sons da sua caixa de música - a que tem uma pequena
bailarina - tocando as últimas notas cintilantes.
Eu te amo, eu te amo, eu te amo.
Mamãe.

EvaOnde histórias criam vida. Descubra agora