A vida em modo multitarefa

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Às cinco e trinta o despertador toca. Sônia estende o braço, tateando para alcançar o celular. Mais um dia se inicia. Seu primeiro pensamento? "Preciso fazer alguma coisa". Como a maioria das pessoas, Sônia passa o dia numa lista sem fim de tarefas, sonhos, regras e, de vez em quando, uma ou outra pausa para respirar.

Ela se levanta. Lembra-se de que deve iniciar o dia com o "Milagre da Manhã" e fazer as flexões de braço e agachamentos, afinal, disseram que são a chave para uma velhice com mais saúde e sem dor nas costas. Enquanto isso, mentalmente, passa em revista o café da manhã: precisa ser saudável, mas saboroso, porque dizem que a felicidade também passa pelo paladar. Açúcar é proibido, mas também é liberado em pequenas quantidades – tudo depende do médico ou nutricionista que está na moda.

Ainda no modo "quase sonâmbula", olha o espelho e decide que precisa cuidar melhor da pele, afinal, envelhecer com saúde pode até ser bonito, mas não sem um hidratante que promete manter sua juventude intacta. Tanta coisa já planejada, e o dia só começou.

O trabalho vem logo em seguida. Uma sequência de e-mails, de ligações e de reuniões. Precisa ser agradável, educada, mas também assertiva e firme. Porque, é claro, é necessário se aperfeiçoar, crescer, ter ambições. O chefe gosta de pessoas com proatividade e ideias inovadoras. O problema é que, entre as pilhas de documentos e relatórios, sobra pouco tempo para encontrar alguma ideia inovadora. "Será que estou ficando para trás?" pensa, entre uma reunião e outra.


À tarde, é hora de se informar. Nas notícias, o mundo ainda parece um lugar caótico e febril. Há preocupações com a política, a economia, inflação, impostos, a saúde pública. Notam-se crises, guerras, catástrofes e gráficos em vermelho. Sônia lê um pouco, tenta manter a compostura e pensa: não posso entrar em pânico, já que a ansiedade pode causar pressão alta – ao menos foi o que leu outro dia num artigo. Tenta respirar e lembrar das técnicas de mindfulness, porque, afinal, estar presente é o que faz o mundo ficar menos avassalador.

Pausa para o almoço. Com moderação, claro – afinal, se exagerar, pode não estar cuidando da saúde como deveria. Pensa nos pais, nas tias, nos irmãos, que diziam para não se preocupar tanto com isso, mas, afinal, os tempos são outros, dizem que devemos pensar em cada coisa que colocamos no prato. Mal acaba de almoçar e o relógio já marca o tempo de checar mensagens: as redes sociais estão cheias de boas notícias, casamentos, eventos, viagens. 


É preciso manter contato com as pessoas para a vida social continuar ativa. Comenta com simpatia e, logo depois, se lembra dos amigos com quem não fala há meses. "Preciso marcar alguma coisa com eles", pensa. Anota mentalmente essa tarefa e tenta continuar o trabalho.

Mais tarde, ao chegar em casa, observa o apartamento. Uma pilha de pratos sujos a espera, uma planta meio desidratada clama por água, o sofá está um pouco desalinhado. E ali está a lista que ela mesma escreveu dias antes: Limpar a casa, arrumar o quarto, abastecer o carro, cuidar dos pequenos detalhes. Respira fundo e começa – mas é interrompida pelo som do telefone. É a mãe que tem seus problemas pessoais e precisa desabafar com alguém . 


Já de noite, com o corpo pedindo uma pausa, lembra-se que adquiriu um curso online e ainda não assistiu a nenhuma aula. Liga o computador para ouvir o curso enquanto se come seus saborosos ovos mexidos. Por fim, lembra-se de que prometeu a si mesma que tentaria escrever uma pequena crônica antes de dormir. Alguma coisa simples, só para se exercitar na escrita criativa. Algo sobre a vida, talvez, ou sobre o que quer deixar para o futuro. Senta-se na escrivaninha, pega o papel, mas mal consegue sustentar o lápis por alguns minutos antes do cansaço pesar sobre seus ombros.


No fim, tudo se resume a isso: o ser humano, tentando empilhar as pequenas e grandes tarefas que o mundo impõe, equilibrando ambições e expectativas, sustentando-se pendurado naquele frágil fio de sanidade. É uma espécie de truque mágico; um malabarismo de vontades. No entanto, às vezes, o que nos escapa – no meio de tantas listas e regras – é que estar vivo não precisa ser essa planilha infinita.

Com o último lampejo de energia, Sônia sorri. Larga a crônica inacabada, e sente que é chegado o momento tão esperado do dia.


Completamente nua, ela esfrega seu corpo com delicadeza durante o banho. Ao relembrar do dia frenético que viveu, mais um em tantos, ela se pergunta: "Valeu à pena? Por que estou fazendo tudo isso?"

Depois de se secar, veste o pijama e, entre um bocejo e outro, pensa que talvez, só talvez, a vida seja mais sobre aceitar o que não conseguimos fazer do que sobre tentar fazer tudo.Ao apagar a luz, Sônia sente uma sensação agradável. Deitada sobre o colchão macio, sentido a textura sedosa dos lençóis, finalmente ela encontra paz; ela está em estado de solitude e nada pode roubar sua tranquilidade naquele momento precioso. O sono: uma bendita e prazerosa necessidade. Por uma noite... valeu à pena por uma noite de bom sono.

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⏰ Última atualização: Oct 29 ⏰

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