Meu papel

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10 de julho de 2023

Clara sentia o estômago revirar com cada passo que dava na direção do estúdio. A audição para Giselle estava marcada para as 10h, mas às 9h da manhã ela já estava ali. Preciso estar calma, pensava, mas o nervosismo era quase incontrolável. O papel de Giselle era seu sonho, mas também um desafio monumental. Desde que começara a dançar, aquele ballet representava, para ela, a linha tênue entre a vulnerabilidade e a força.

Ela sabia o quanto a mãe estava orgulhosa. Mas, ao mesmo tempo, esse orgulho vinha carregado de uma expectativa imensa, uma pressão silenciosa, que Clara carregava em cada movimento e que naquele dia parecia pesar mais que nunca.

Havia muitas garotas na sala de audição. Algumas tão concentradas que não tiravam os olhos do espelho; outras pareciam tão confiantes que se entreolhavam com pequenos sorrisos de segurança. Clara tentou aquietar o coração, repetindo para si mesma que era apenas mais uma apresentação, como qualquer outra. Respirou fundo e focou no espelho à sua frente, bloqueando as distrações.

Finalmente, quando seu nome foi chamado, ela se posicionou no centro da sala. Seu corpo conhecia cada movimento da coreografia, cada pequena variação de ritmo e intensidade. Ela sabia que Giselle era mais do que técnica, era uma história de amor, dor e redenção que deveria fluir naturalmente. Clara sentia-se confortável com a música e a coreografia, mas à medida que dançava, não conseguia ignorar a ansiedade que a tomava. Ela estava bem até o último momento, até tentar um giro um pouco mais rápido, com uma leve inclinação do tronco e dos braços. Seu pé escorregou, e ela perdeu o equilíbrio por um instante que pareceu durar uma eternidade. O coração disparou. "Pronto. Acabou", pensou.

Mas com um esforço silencioso, Clara recompôs-se e terminou a dança. Assim que saiu da sala, tentou disfarçar a decepção. Esperou as últimas audições sem muita esperança, acompanhada apenas do eco dos aplausos que ouvia ao longe. Ela tinha certeza de que aquele deslize comprometera sua chance de ser Giselle.

Dois dias após a audição, Clara saiu do colégio ao som de uma notificação no celular. Era sua mãe, ligando com a voz exultante.

—Clara! Eu soube do papel! Giselle, minha filha! Eu sempre soube que você conseguiria!— A mãe dela exclamava com uma empolgação quase incontrolável.

Clara parou no meio da calçada, absorvendo a notícia com um misto de surpresa e alívio. Tinha conseguido o papel! Apesar de tudo, o deslize não fora suficiente para tirá-la da corrida. Ela mal sabia o que dizer.

—Eu... consegui o papel?—Clara disse, tentando segurar o sorriso, ainda processando a confirmação.

—Sim! E eu sempre soube que seria você! Lembra de quando você dançou pela primeira vez? Tão pequena, já tão talentosa! Desde aquele dia eu dizia: ''Essa menina vai longe!''— A mãe continuava, embalando-se nas próprias lembranças.

—É, mãe... eu me lembro,— Clara respondeu, num tom hesitante, enquanto tentava encontrar uma brecha na avalanche de palavras. Ela queria ter contado à mãe do seu jeito, mas a escola havia entrado em contato antes mesmo que pudesse processar direito a notícia.

—Você conseguiu o que sempre quis, meu amor! E eu fiquei noites e noites torcendo por isso, me dedicando junto com você. Sabe, sempre que falo de você para os outros, lembro de dizer o quanto me esforcei para te ver brilhando.— A mãe dizia tudo com uma leveza tão natural que parecia nem perceber o quanto aquelas palavras a incomodavam.

Clara respirou fundo, tentando manter a calma. Aquela era uma notícia especial, e queria poder celebrar em vez de sentir aquele nó na garganta.

—Mãe, eu... eu também me esforcei bastante. Foram muitos ensaios, e eu estava muito nervosa na audição.— Ela tentou manter o tom leve, mas já notava que a voz dela soava menos animada.

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