Epílogo

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Ivy Miller

Se eu soubesse que ser jovem é tão complicado, tinha escolhido ser uma velha de 80 anos, sem preocupações e só pensando em como pegar o ônibus pro bingo.

E lá vai mais um dia. A minha depressão voltou, as aulas voltaram.

Ir para a faculdade é legal, mas é que entre ir e fazer nada... convenhamos que o melhor é não fazer nada. Ninguém suporta acordar às 6:00 da manhã.

Eu não nasci pra isso. Cá estou eu, olhando o professor Fernando, o típico professor chato, tá lá na frente, se empolgando com a estrutura das células como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

Parece que não come mulheres a meses, tortura! Enquanto ele fala, a galera tá no maior "caguei e andei". Se tem uma coisa que eu aprendi na escola é que a aula de biologia é só uma tortura disfarçada de ciência. O professor acha que a gente tá na escola pra ouvir ele falar sobre célula.

- Gente, só falta ele dizer que as células têm sentimentos - murmurei para Bia que estava ao meu lado. - "As mitocôndrias choram quando não estudamos!"

- Não tenho nem dúvidas! - Falou rindo enquanto desenhava em seu caderno.

O sinal finalmente tocou, um som agudo que pareceu libertar todo mundo de um pesadelo coletivo. A sala virou um caos instantâneo. Gente levantando rápido, cadeiras arrastando, mochilas sendo jogadas nas costas de qualquer jeito. Eu respirei fundo, como se saísse de um sufoco, e olhei pra Bia.

- Se eu ouvisse mais cinco minutos de "mitocôndria é a usina de energia", eu ia começar a dar porrada nas paredes - murmurei, meio morta de cansaço.

- Eu já tava planejando fugir pela janela - Bia respondeu, rindo, enquanto guardava o estojo na mochila.

Saímos da sala empurradas pelo fluxo de bois depois de anos de cativeiro que pareciam estar numa competição de quem saía primeiro. No corredor, o barulho só aumentava. Parecia que todo mundo estava precisando muito daquele recreio.

No pátio, o Léo e o Gustavo, mais conhecidos como gays não assumidos, já estavam no lugar de sempre, encostados na grade, com as mochilas jogadas no chão. Quando chegamos, o Léo gritou, gesticulando exageradamente.

- Aí, até que enfim, hein! Tava achando que o Fernando prendeu vocês no laboratório pra virar cobaia de experimento!

Bia respondeu jogando a mochila no chão e sentando.

- Ele tá mais preocupado em fazer um pacto! Aposto que em casa ele tem um altar.

Eu ri e me joguei no chão ao lado deles. O Gustavo, que tava concentrado no celular, levantou os olhos e entrou na conversa.

- Mano, esse cara deve passar a noite assistindo documentário. Certeza.

- Se ele assistisse um pornô de vez em quando, talvez ele relaxasse - Bia soltou, e a gente ficou em silêncio, Léo com a mão na boca e Gustavo tampando a visão com os dedos. Bateu vontade de rir.

Léo, sempre o mais sem noção, soltou um "PQP" e se escorou na grade, ainda rindo. O Gustavo deu um tapinha na perna dele, e eu me perguntei por que tudo que eles falavam parecia uma conversa eterna sobre nada, mas de alguma forma era sempre engraçado.

- Alguém tem dois reais aí? Tô na merda - perguntei, revirando minha carteira e só encontrando uns trocados amassados.

- Dois reais? Nem isso eu tenho. Vida de pobre é assim, a gente divide até o ar que respira - Gustavo falou, batendo no bolso vazio.

- Se eu tivesse dois reais, eu já tava no bar lá fora, bebendo uma catuaba - Léo respondeu, se alongando no chão.
Do nada, meu celular vibrou. Era minha mãe. Eu mostrei pra Bia e revirei os olhos.

No Limite Da Loucura.Onde histórias criam vida. Descubra agora