Na floresta onde as sombras se alongam, na região onde o verde é denso e impenetrável, havia um velho xamã conhecido apenas por suas visões e seu domínio sobre o oculto. Ele não tinha nome entre os vivos, e os que sabiam de sua existência o chamavam de Aquele que Vê a Escuridão. Sua cabana era erguida sobre raízes grossas e retorcidas da Samaúma, a Árvore-Mãe, o coração da floresta, e ele acreditava ser o guardião de seu poder. Seus olhos, sempre opacos e vazios, brilhavam com uma sabedoria tão vasta quanto a escuridão ao redor.
Numa noite escura e densa, envolvido por uma neblina fria e o uivo solitário dos ventos, o xamã preparou um ritual antigo, mais antigo do que a própria floresta. Seus ossos doíam enquanto ele se abaixava e traçava símbolos no chão com uma mistura de sangue de animais sacrificados e pó de ossos. Ele encheu sua boca de folhas amargas e as mastigou enquanto entoava cânticos esquecidos, permitindo que o gosto do amargor escorresse por sua língua e pelo fundo da garganta, queimando como fogo.
Ao redor dele, espíritos vagavam, ocultos na escuridão. Eram sombras do passado, vítimas de guerras ancestrais e de rituais sangrentos que ele comandara ao longo de sua vida. Em meio ao canto do xamã, as sombras murmuravam, cada voz uma promessa de poder e sofrimento, até que ele finalmente inalou o pó da morte, uma substância que preparara com venenos de serpentes e ervas que cresciam apenas à meia-noite.
Com cada respiração, o véu entre os mundos se rasgava, e ele sentia as raízes da Samaúma pulsando sob o solo, como um coração despertando. Seus dedos finos tocaram a terra úmida enquanto sua visão se ampliava, e o xamã sentiu como se os olhos da Árvore-Mãe o encarassem.
Foi então que a visão começou.
Ele viu uma cidade distante, uma cidade de forma que nunca havia visto, chamada Fuyuki, e viu nela um ritual sendo realizado, um ritual feito de sangue, magia e ambição: uma guerra para conquistar um desejo onipotente. O Santo Graal, disseram as vozes na visão, um artefato de poder incomensurável. Ele viu Servos poderosos, guerreiros antigos e figuras lendárias convocadas por mestres famintos por poder, em um confronto que traria ruína e glória.
O velho xamã observava, e uma fome ardia em seu peito. Aquela guerra, aquele ritual... ele podia senti-lo chamando, murmurando para ele. Mas ele não estava satisfeito apenas em ver o futuro. Ele desejava mais. Queria o Graal para si, queria trazer aquele poder para sua própria terra, para o coração da floresta, onde a Samaúma aguardava há milênios.
Com um sorriso que era quase um corte de lâmina, ele se ergueu. Mas, para replicar aquele ritual no presente, ele sabia que precisaria de sacrifícios. Não bastariam os sacrifícios dos antigos animais, nem o sangue de guerreiros valorosos. Ele precisaria de algo mais profundo, algo mais cruel.
E então ele começou.
Em silêncio, ele caçava aldeias, levando para sua cabana crianças e guerreiros jovens, arrancando deles o medo, a vida, e as almas. Ele os enlaçava em rituais de dor, deixando seus gritos preencherem a floresta como um eco distante. Os espíritos das vítimas eram oferecidos à Árvore-Mãe, que se tornava cada vez mais consciente e faminta. Ela bebia da agonia que ele lhe oferecia, e suas raízes aprofundavam-se, enroscando-se mais fundo, até o cerne do mundo.
As lendas locais começaram a crescer. Dizia-se que um grande mal havia acordado, que espíritos vingativos vagavam pelas matas, e que o próprio ar estava impregnado de um cheiro de morte. O xamã se alimentava do medo que a floresta instilava nos viajantes, e sua risada ressoava como trovão, espalhando-se pela noite.
A Samaúma, que antes era símbolo de vida, agora gotejava sangue de suas folhas. Pequenas flores brotavam nas raízes, mas murchavam rapidamente, como se algo podre corresse em sua seiva. Os olhos do xamã, em sua cegueira aparente, brilhavam com o conhecimento proibido de quem caminhara entre os mortos e retornara. Ele estava perto. Muito perto.
Em uma última visão, o xamã viu os Sete, os Servos que seriam chamados ao seu Ritual da Árvore-Mãe, replicando o poder de Fuyuki. Ele os viu em meio a chamas e sombras, guerreiros de épocas e mitos misturados, unidos pela força do Graal, convocados para cumprir o destino que ele agora escrevia.
Com uma gargalhada profunda e gutural, ele murmurou seu desejo final à Árvore-Mãe:
"Que meu nome seja esquecido, mas que meu ritual nunca morra. Que o Graal floresça nestas terras como o fruto da minha maldade. Que a Guerra que eu vislumbrei no futuro se torne eterna no coração desta floresta."
As raízes tremeram, e o xamã desapareceu, dissolvido no coração da Samaúma. Sua carne e seus ossos foram absorvidos pela árvore, tornando-se um com ela, selando o pacto. Agora, o Ritual da Árvore-Mãe aguardava.
Restou, porém, apenas um escrito do velho xamã, em sua língua nativa, sob o tronco descascado de uma raíz de Samaúma:
"A lâmina saqueia e guerreia,
O bárbaro ergue-se pela liberdade,
O conjurador se ergue em honra,
O arqueiro governa sobre todos,
O assassino toma corações,
E o cavaleiro vagueia em sonhos esquecidos.Sete ao sangue se entregarão, mas apenas dois ao fim restarão,
Um, guiado pelos desígnios insondáveis do destino,
E outro, cuja força poucos ousariam confrontar.Porém, ao peso dessa força só um resistirá,
Aquele de quem nada se espera,
Aquele cuja lâmina cortará a escuridão da dúvida."
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Fate / Ancient Land
FantasyEm uma cidade no coração do Brasil, o Ritual da Árvore-Mãe desperta, replicando a lendária Guerra do Graal. Sete mestres e seus servos míticos se enfrentam pela promessa de um desejo onipotente, mas a busca pelo poder esconde um preço terrível. À me...