- Eu não acredito que você vai passar todas suas férias nessa cidade.
- Bem, eu até pensei em recusar. Quer dizer, eu nunca nem ouvi falar...
- Eu acabei de olhar na internet, fica entre os cafundós do Judas e o quinto dos infernos.
- Nicole... - risada abafada - Isso é sério... Olha, ela é minha tia, o que eu posso fazer? Dizer não?
- Sim?!
- Não!Eu me lembro dessa conversa que tive com uma amiga ao telefone, e eu me arrependo de não ter escutado ela.
- Então quer dizer que você vai mesmo? Não vou te ver na festa junina, né? - minha amiga suspirou ao telefone.
- Nicole, se esse é seu jeito de me convencer a ficar, saiba que tá funcionando, então pode parar.
- Como é teimosa! Já se decidiu, foi?
- Sim, e sim. Já estou subindo no ônibus...
- Mas já?!
- Ah, eu quero aquele lugar na janela!"Por que eu acabei aceitando passar minhas férias no interior, em uma cidade pequena e remota? Em que momento eu achei que isso seria uma boa ideia?", eu remoia essa dúvida em minha mente ao ouvir o ônibus dando seus últimos suspiros naquela estrada deserta.
"Todos para fora.", o motorista gritou. Embora não precisasse, já que eu decidi continuar minha viagem a pé. Era só um quilômetro até a casa da minha tia, afinal, era uma cidade muito pequena. Devia levar meia hora para andar de uma ponta a outra, mas mesmo assim, eu precisava do GPS para me guiar.
A cidade em si não era grandes coisas. Quer dizer, não quero soar reclamona, mas não seria a minha primeira escolha de lugares para viajar. As ruas eram de calçamento. Estradas antigas, pensei. Era um dia ensolarado e de ventos fortes. Imagino que por esse motivo, o lugar inteiro parecia como uma foto antiga com filtro sépia. Tudo parecia estar coberto pela poeira trazida pelo vento.
As casas eram todas no estilo colonial antigo, o que era bonito, mas dava um ar antiquado à cidade, já deserta.
Cidade deserta... No instante que tive esse pensamento, me virei para trás. Haviam sumido?! Como todos os passageiros tinham sumido em questão de minutos? E eu só havia dado alguns passos. Dei de ombros e continuei, deveriam ter entrado nas ruas vizinhas.
De repente, o pior aconteceu: meu celular, antes completamente carregado, estava com apenas dois por cento de bateria. Eu nem sei o que falar. Digo, como eu não vi a bateria acabar tão rápido?
Enfim, esses celulares de hoje em dia...Não demorou muito tempo até que eu percebesse que eu estava completamente sozinha numa rua deserta, em uma cidade rural, sem celular e sem outro meio de pedir ajuda. Gostaria de poder dizer que o pânico cresceu em mim de forma lenta, de forma silenciosa. Pareceria poético. Eu realmente queria que isso tivesse acontecido.
Em questão de minutos lá estava eu, correndo desesperada por aquelas vielas, que mais pareciam um labirinto. Um enorme labirinto de areia e paralelepípedos fora do lugar. Após alguns tropeções naqueles becos, eu já estava perdendo a esperança de encontrar sequer uma alma viva por lá. Estava convencida que era uma cidade fantasma, nem animais eram vistos, nada. Foi aí que às vi.
Se é realmente a primeira impressão a que fica, devo parecer uma completa idiota até hoje.
Eram duas garotas mais ou menos da minha idade, uns dezoito ou dezenove anos, chuto. As duas estavam tendo uma conversa, mais parecida com uma discussão. Uma delas segurava e apontava para um mapa, enquanto a outra se abanava com uma revista. A que estava com a revista, estava com o rosto vermelho pelo sol, seus cabelos cacheados presos em um coque, ela levava uma grande mochila. A outra, levava pouca bagagem e encarava intensamente o pedaço de papel, como se tentasse decifrar uma língua alienígena.
Quanto a mim, me aproximei ofegante, meu rosto provavelmente vermelho pela corrida, gotas de suor escorrendo pela minha testa, eu ainda estava apavorada.- Ah, finalmente alguém pra pedir ajuda. - a menina com a revista falou, aliviada.
- Cuidado, pode ser uma miragem! - a outra disse, arrumando os óculos escuros.Gostaria de poder contar que me apresentei com um amigável "Olá, meu nome é Rebeca", um aceno de mão, ou algo do tipo. Mas a única coisa que consegui dizer, entre respirações pesadas, foi um fraco:
- Água.- Geralmente são as miragens que aparecem com a água. - surpresa, a garota do mapa comentou.
A outra, de prontidão, me entregou uma garrafa d'água. Depois de alguns instantes, nós nos apresentamos e a conversa fluiu até contarmos como viemos parar naquela cilada.
- A Laysa aqui, quis bancar a caça fantasma. - Livya, a menina de óculos escuros, debochou.
- Ei! - ela exclamou ofendida - Na verdade, sou uma pesquisadora de fenômenos sobrenaturais.
- De primeira viagem. - Livya murmurou, cruzando os braços.
- Sabia que essa cidade tem uma fama macabra? - continuou.
- Mas e você? - me virei para a garota com o mapa - Por que veio então?
- Alguém tem que ser a responsável por aqui. E eu, minha amiga, vim pra garantir que Laysa não vá se perder, ou coisa pior. - ela respondeu orgulhosa.
- O que não adiantou, já que nos perdemos, de qualquer forma.
- Mas esse mapa não faz sentido!E foi com essa frase que a discussão ganhava uma parte dois, mesmo comigo ali. Apesar de que era muito curioso como o táxi das duas havia parado de funcionar de forma misteriosa, assim como meu ônibus. E depois sumido como se nunca existisse, como os passageiros. E por fim, as duas também estavam sem bateria nos celulares, à mercê de um mapa que parecia mais bagunçado que a própria cidade.
Durante a nossa caminhada em busca de um morador local que pudesse nos ajudar. Laysa me contou que, na internet, há rumores de todo tipo de criaturas bizarras e seres de outro mundo que habitam as matas que rodeiam o Morro Velho. Não sei se acredito nessas coisas, porém o que me chama atenção é ela ter mencionado alguns relatos de viajantes que se perderam ao visitar o município.
- Segundo as más línguas... - Laysa falava com o indicador levantado.
- Wikipedia, ela viu na Wikipedia. - Livya interrompeu.
- Bem, segundo boatos, os viajantes alegam ficarem presos na cidade, vagando sem rumo por ruas desertas, sem sinal de telefone e sem ter como escapar da cidade misteriosa, que parece nunca acabar...Ou seja, exatamente como nós?! Nesse momento eu engoli em seco.
- Há quem diga que alguns deles nunca mais voltaram. Por isso, o lugar é chamado de "Cidade xilindró", uma cidade que apresiona os forasteiros para sempre! - ela terminou como se contasse uma história feita para assustar crianças. Bem, eu não era criança, mas estava assustada.
- Isso é balela! - Livya ajustou os óculos, examinando o mapa, que estava de ponta à cabeça.
- Eu não sei não. Se tem tantos relatos assim... - hesitei.
- Não vai dizer que acredita nessas coisas, Rebeca?
- É tão hipnotizante. - Laysa suspirou.
- Além do mais, toda a cidade, tem esse clima meio pesado...Olhei ao meu redor, as ruas continuavam desertas. O silêncio era ensurdecedor, quebrado apenas pelo vento forte, que parecia mais um conjunto de uivos e lamentos.
- Por falar em clima, não é estranho essa névoa de areia? - nossa "guia" comentou.
- Agora que você falou, todo esse vento está levantando muita poeira, é difícil enxergar. Que sinistro. - Laysa falou como se fosse uma coisa boa.Sem muita demora, nossa caminhada nos fez encontrar um bar. Normalmente eu ignoraria um boteco de esquina qualquer. Porém, para nós três, aquele era como um oásis no meio de um deserto. E isso não é nem uma piada sobre o clima seco. É porque, pela primeira vez, vimos uma casa com as luzes acesas, ou seja, tinha alguém lá.
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Morro velho: Cidade xilindró.
Mystery / ThrillerMorro Velho é uma cidade rodeada de lendas macabras, relatos sobrenaturais e carrega um ar misterioso. Porém, Rebeca não sabia disso quando resolveu se aventurar no pequeno município no interior do estado, a convite de sua tia. Um infortúnio impede...