Capítulo 2: O carro quebrou, o celular desligou, o mapa falhou.

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Bom, maioria das pessoas não compreende a minha paixão pelo sobrenatural. Eu não as culpo, mas ao mesmo tempo, o que posso fazer se me soa tão instigante?
O horror é um sentimento tão primitivo, nos acompanha desde o início dos tempos. Mesmo assim, não consigo deixar de me encantar com os mistérios do desconhecido.
Desde muito jovem, me acostumei a encontrar na internet todo o tipo de história macabra que possa imaginar. Desde o terror mais genérico, até histórias elaboradas que te tiram o sono por noites.
Com essa cidade não foi diferente. Há uns três anos, despretensiosamente cliquei em uma postagem, crendo que seria apenas mais uma lenda urbana qualquer. No começo, achei bobo, esquisito, até. "Cidade xilindró". Quem daria um nome desses à uma lenda?
Todavia, não foi preciso muita busca para me deparar com muitos relatos exatamente iguais ao primeiro. Uma cidade misteriosa que serve de prisão para com seus visitantes, obrigando-os a enfrentar as criaturas monstruosas que lá habitam, um desafio do qual poucos conseguem escapar para contar a história. Foi quando me dei conta de que a lenda era real. Então, naturalmente, a minha curiosidade foi provocada.
Apesar disso, ainda acho uma péssima escolha de nome.

Aguardei ansiosamente para o dia em que tivesse a permissão - e o dinheiro - para visitar tal cidade. Logo após completar dezenove anos, eu já estava de malas prontas, pensando em que tipo de eventos sobrenaturais me aguardavam nesse lugar tão intrigante. Seria eu, Laysa, a primeira pessoa a atestar como verdadeira a tal lenda?
Não pretendia levar companhia, mas não me importei quando minha amiga de longa data quis se juntar a mim. Claro que eu insisti que não precisava de "guarda costas", eu não tinha medo!

Não sabia dizer se tinha me arrependido de minha decisão quando a ouvi resmungar assim que nosso táxi parou de rodar, logo quando adentramos o município. Mas tive a certeza quando ela começou a praguejar para o mapa, olhando para todas as direções, completamente perdida. A impressão que dava, era que aquela cidade afetara o humor de minha amiga quase que imediatamente, deixando-a facilmente irritável. Ia ser uma longa viagem.

Apesar do inconveniente, eu me sentia calma. Era uma cidade pequena, portanto, com algumas poucas perguntas, conseguiríamos chegar até o nosso hotel. Além de quê, não podia deixar de admirar a vista.
Não era uma típica cidade rural, possuía uma aura enigmática. As estradas de paralelepípedos e os edifícios no estilo de arquitetura colonial davam um ar retrô e aconchegante às ruas. Haviam poucas plantas, o clima era árido e o vento seco trazia, além de areia, um visual empoeirado à paisagem. A poeira cobria as paredes dos edifícios e nublava a visão, era como encarar uma fotografia tirada há muito tempo, de uma cidade antiga. Parecia até que o lugar tinha congelado no tempo.

***

A fachada daquele bar estava desbotada e com aspecto poeirento, como todo o resto da cidade. Não se destacava em nada, exceto pelas luzes acesas, que indicavam - queira Deus - que havia alguém em casa.

Ainda que houvesse o uivo constante dos ventos, se prestassemos atenção, podia ser ouvida uma música muito singular vinda da direção daquele comércio misterioso.

- Buhh! - Livya brincava, fazendo sons para assustar Rebeca.
- Shh! Estão ouvindo isso? - interrompi.

A melodia tinha um ritmo característico de músicas antigas. As vozes femininas cantavam em harmonia com os instrumentos:

"Hit the road, Jack. And don't you come back no more, no more, no more..."

- "Boteco eu tô forte é na cachaça"? Que tipo de... - Rebeca murmurou enquanto lia a placa do estabelecimento.

Livya a puxou pelo braço antes que ela completasse a frase, fazendo-a acompanhar nosso ritmo. Na verdade, meu ritmo. Era como se eu fosse atraída para dentro daquele bar.

"What do you say?"

Os versos vinham de um radinho antigo, posto sobre um balcão. Balcão esse que era a única coisa que não estava completamente coberta por pó naquele lugar. Isso e alguns copos, claro. O lugar estava vazio e sujo. As mesas tinham uma coloração marrom suspeita, nada convidativa; as frestas entre as tábuas do piso acumulavam areia e moscas sobrevoavam o local; parecia abandonado. Contudo, havia uma lâmpada incandescente amarelada logo na entrada e outra, mais fraca, sobre a cabeça do barman, que por detrás do balcão, polia alguns copos.

- Hm... Oi, moço? - Livya cumprimentou.

Ele não parecia muito amigável, ou feliz em nos ver. Apenas nos fitou com aqueles olhos vazios sem expressão e voltou aos seus copos.

- Você é o dono do lugar? Pode nos dar uma informação? - Rebeca tentou.

O funcionário continuava a esfregar aqueles copos, seu olhar cansado e carregado de olheiras nem se movia, insistia em nos ignorar. Mal sabia ele que nós tínhamos alguém ainda mais persistente, e ela já estava sem paciência.

Morro velho: Cidade xilindró.Onde histórias criam vida. Descubra agora