Existiam poucas coisas que Pedro Palhares odiava mais do que o próprio emprego, tecnologia, dias frios e... claro, o seu ex-namorado.Ele pensou que naquele momento estava livre de tudo isso, mas não conseguiu fugir do último item da lista.
João Romania estava ali, com todo o seu ego descomunal e o ar carregado de imaturidade.
-Pedro, sempre tão delicado. — João puxou uma cadeira próxima com as mãos e se sentou ao seu lado de forma tão natural que as pessoas ao redor poderiam concluir que estavam em um encontro programado.
Mesmo depois de tanto tempo,João parecia igual: os mesmos lábios bem desenhados e os mesmos cílios marcados, o cabelo castanho-claro e ondulado, que ainda era penteado para o lado direito, e o maxilar marcado, que continuava gerando uma harmonia impressionante. Entretanto, algumas tatuagens eram recentes, e Pedro se perguntou quantas delas não conhecia.
— Não vou gastar minha educação com quem não merece. O que você tá fazendo aqui? — Pedro repetiu, fechando a cara.
— Vi você passando na praia e entrando no quiosque. Não sei, acho que só fiquei curioso.
— Então tu tava me observando esse tempo todo?
— Não faz tanto tempo assim. — João tentou se justificar. — Precisava te alegrar com minha companhia, você tava tão tristinho.
Pedro balançou a cabeça, incrédulo. — Não sei de onde você tirou isso.
—Pe, sempre que não está bem, você joga a cabeça para o lado e franze o nariz, parecendo um cão sem dono. Além de ficar vagando sem rumo na praia sozinho.
— Eu o quê?
O garoto olhou para o lado, evitando contato visual com seu ex-namorado. Então
se concentrou no som das ondas batendo suavemente na praia, como se dessa forma
conseguisse ignorar a presença de Pedro e a vontade de dar um soco em seu rosto perfeito.
— Fazem o quê...? — João continuou, sobrepondo-se ao barulho do mar.
— Dois anos desde o término?
Pedro respondeu com um leve aceno de cabeça.
Era a primeira vez que se viam após o término. Ele fez de tudo para não revisitar
o passado; afastou todos os pensamentos, as mágoas e lágrimas derramadas, assim
como os bons momentos que compartilharam. Pedro correu por muito tempo,
mas não tinha como continuar fugindo.
Sim, João estava ali.
Mas ele era apenas um estranho agora.
— Dois anos e ainda lembro esses detalhes sobre você. — A voz do ex baixou
para um sussurro conspiratório. — É estranho, não é?
— É, muito estranho você estar aqui. Sem nenhum convite, por sinal. Interrompendo
minha paz de espírito.
João ergueu as sobrancelhas, uma expressão de falsa inocência cobrindo seu
rosto. Um sorriso travesso brincou em seus lábios, como se estivesse prestes a fazer
um truque de mágica.
— Olha como seu rosto mudou ao me ver, nem consegue disfarçar.
— A raiva? O incômodo? A vontade de mandar você ir se f...
— Não! A felicidade. O coração acelerado. A perninha bamba.
— Pera aí, Pedro. Chega! Minha paciência tem limite!
Apesar do estado emocional de João, seu ex-namorado parecia imune à
perturbação. Na verdade, uma expressão sutil de satisfação pairava em seus olhos,
como se tivesse alcançado um pequeno triunfo ao provocá-lo.
— Sei que depois que acabamos, o namoro você andou me procurando e perguntando sobre mim para o Nicolas — João pronunciou as palavras como alguém que
acaba de jogar um royal flush na rodada final de um jogo de poker, satisfeito com a
grande vitória.
Uma onda de irritação atingiu João. Isso tinha acontecido somente uma vez. Uma única vez. Ele já previa que, em algum momento, Pedro iria se vangloriar.
Era inevitável, considerado quem ele era:o ex-namorado com o ego mais inflado de todo o Nordeste.
— Você tá maluco, só pôde — resmungou, envergonhado por ter dado esse gostinho ao ex.
Alguns meses após terminarem, a curiosidade e a saudade falaram mais alto e
João acabou perguntando a Nicolas, o melhor amigo de Pedro, como ele estava.
Mas é claro que jamais daria o braço a torcer, por isso desconversou: - Se lembro
bem, quem ficou me ligando de madrugada durante semanas foi você.
— Quero ver você provar.
— Ah, é? - Ele retirou o celular do bolso e desbloqueou a tela com o reconhecimento facial. - Deixa eu pegar nosso histórico do WhatsApp.
— Então você não apagou as conversas — João pontuou, divertindo-se com a descoberta. — Isso já diz muita coisa, meu anjo querubim.
— Não me chame assim!
A atenção de João desviou-se para a atendente que se aproximou e parou diante dos dois, habilmente equilibrando dois copos de bebida. Com um gesto suave, depositou um dos copos na mesa e se afastou em seguida.
Ao analisar as caipifrutas, João abriu um sorriso carregado de convicção.
— Caipifruta de maracujá. — Apontou para o copo e o tom presunçoso de sua voz deixou Pedro enjoado. — Você pediu minha bebida favorita.
— Isso n-não quer dizer nada.
— Então por que você gaguejou?
Pedro revirou os olhos e pegou o copo na mesa, ignorando a acusação sem noção. Um cara podia tranquilamente pedir a bebida favorita do ex sem que isso fosse sobre ele. Igual a quando associamos uma música a alguém específico e todas as vezes em que a ouvimos lembramos daquela pessoa. Até que uma hora, antes mesmo que a diferença seja percebida, novas memórias são adicionadas e a canção ganha um novo sentido. Ela voltava a ser sua.
Bem, na teoria era isso que deveria acontecer, certo?!
João pegou a outra caipifruta na mesa e deu um longo gole no líquido, deliciando-se com o sabor doce, e piscou para Pedro, que passou os dedos no copo e perdeu a vontade de beber.
Reencontrar o ex-namorado nesse momento de vulnerabilidade foi sem dúvida a pior forma de encerrar o dia de cão que estava tendo. Por isso, anunciou:
— Quer saber? Eu vou embora. Não preciso aturar o seu ego gigante no meu... — Ele desistiu no meio da frase, como se pronunciar a data tornasse tudo mais triste. — Bem, hoje não.
João colocou o copo de volta na mesa e não pareceu curioso com a frase inusitada. Em vez disso, ergueu os ombros e balançou a cabeça, pois sabia as palavras faladas.
— Veja aonde suas escolhas te levaram. — Ele deu um gole na caipifruta e limpou os lábios com a ponta dos dedos. — Você está sozinho no dia do próprio aniversário.
"Que filho de uma...", Pedro pensou, sentindo o sangue esquentando. João o atingiu bem no seu ponto fraco, e ambos sabiam disso.
— Não tô vendo uma multidão te acompanhando. Pedro explodiu, as veias de sua testa quase saltando. — A diferença entre nós dois é que, ao contrário de você, eu não destruo tudo que está à minha volta.
— De novo isso? — questionou o ex-namorado, prevendo a argumentação.
— Vamos encarar os fatos, nem o seu pai te suporta.
Os dois se olharam por um momento e um silêncio tenso encheu o ar, até que Pedro soltou um suspiro exagerado, seus olhos rolando de forma teatral.
— Você não tem o direito de falar isso. E sobre você e eu, as coisas apenas... saíram do controle. Não sou esse monstro que você tenta pintar.
João soltou uma risadinha irônica, balançando a cabeça como se estivesse analisando uma atuação ruim.
— Não, você é pior.
Com um último gole, João saboreou a mistura de morango e o toque agridoce da cachaça em sua língua. Depois, fitou o copo vazio em suas mãos. Após tudo que aconteceu nos últimos meses, ele aprendeu mais do que nunca a manter a postura e não demonstrar insegurança, mesmo quando tudo dentro de si estava uma bagunça.
— Pedro, você age como se fosse superior, mas você não é. Meus erros não anulam os seus.
— Não tente inverter os papéis.
— Viu? Você não admite os próprios vacilos. Pelo menos eu reconheço o que fiz.
— Pra começar, nem deveríamos estar tendo essa conversa.
Uma mulher que estava sentada próxima à mesa dos dois virou o rosto na direção deles, fazendo o antigo casal perceber que estavam alterando o tom de voz.
— Nisso você tem razão — Pedro ponderou, abaixando a voz. — Pensei que a gente ia conseguir conversar como duas pessoas civilizadas, mas eu tava enganado.
— Pra variar. — Pedro apanhou os sapatos e os calçou com agilidade, deixando de lado o incômodo da areia que se infiltrava dentro deles. —Boa noite, João.
Sem esperar por uma resposta ele se ergueu da cadeira e foi em direção à parte Interna do quiosque, onde o som de uma música pop que o garoto não conhecia reverberava no espaço.
— Pedro, espera...
Ignorando o pedido, Pedro apressou os passos na tentativa de se livrar da situação o mais rápido possível, mas seu ex conseguiu o acompanhar e se manteve firme no objetivo de o atazanar.
— O que foi agora?
Você esqueceu a comanda. — Apontou João, segurando o papel pequeno que a atendente tinha deixado na mesa.O aniversariante soltou um suspiro de frustração e pegou a folha na mão de João. — João tentou amenizar a situação. — Hoje é seu aniversário e nem te desejei parabéns.
— Nem se dê ao trabalho. — Pedro ergueu as mãos no espaço entre os dois, sinalizando para que o rapaz se afastasse. Ele alcançou o balcão no canto direito do quiosque e entregou a conta para a recepcionista. Enquanto a moça somava o valor do pedido na calculadora, Pedro virou o rosto na direção de seu ex, estranhando a quietude repentina.
— Ei, olha isso... — João apontou para a televisão nos fundos da recepção. E Pedro acompanhou o seu olhar. Na tela, um homem de camisa florida saía do mar e pegava um coco. Após beber a água, o apresentador sorriu para a câmera e tornou a falar:
Isso mesmo. O primeiro reality show para casais LGBTQIAP+ será gravado aqui, em uma ilha deserta do Nordeste, e terá um dos maiores prêmios da televisão brasileira.
— Tá, mas e daí? — Pedro questionou, querendo entender o interesse repentino de Pedro no comercial. Mas ele permaneceu em silêncio, os olhos vidrados na televisão, enquanto o apresentador explicava as regras do programa.
Esse é um jogo de casais e tudo será feito a dois: as provas, os votos, as eliminações. No final, apenas uma dupla será vencedora e ganhará o valor de dois milhões de reais.
— Nossa. — João suspirou, fascinado com o comercial. — Isso é tipo... o suprassumo dos realities.
A mulher do caixa retornou com o valor da conta e quando Pedro entregou a ela o dinheiro, não conseguiu evitar pensar que tudo aquilo tinha sido um grande prejuízo. Ele foi ao bar relaxar, mas estava saindo mais estressado do que entrou. Pedro olhou para o seu ex-namorado uma última vez antes de ir embora, enxergando todas as variações que o atormentaram nos últimos anos e as que estavam sendo criadas agora. João representava várias pessoas ao mesmo tempo: o homem que amou um dia, o homem que partiu o seu coração e o homem que jurou ter esquecido. Ao mesmo tempo que se lembrava do passado com saudosismo, não conseguia encarar a pessoa que estava ali na sua frente. O homem que amou um dia, o homem que odiava agora. Era difícil conviver com tantas versões diferentes ao mesmo tempo. Pedro apressou os passos para fugir dali o mais rápido possível. "É assim que acaba o pior aniversário de todos os tempos", pensou, dando as costas para o ex-namorado, que continuava com os olhos fixos na televisão, enquanto algumas imagens da tal ilha eram exibidas. "Parabéns para mim".
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Amor em jogo| Pejão
RomanceEssa história foi totalmente copiada de um livro amor em jogo do Felipe Mateus o q muda são o nome dos pps